O enfermeiro bem que procurava a veia, mas a veia teimava em não aparecer. A criança contorcia-se entre lágrimas, depois de o homem ter já tentado espetar a agulha no pequeno braço por diversas vezes para tirar sangue. Talvez o choro da criança tivesse assustado a veia do seu próprio braço, mas como diz o ditado, «para grandes males grandes remédios». E um nariz vermelho começou a procurá-la por todo o lado. Estaria debaixo da cama? Dentro do armário? Atrás da porta? Foi à janela espreitar lá para fora – teria fugido para a rua? Não estava em lado nenhum, mas de repente encontraram-na. Afinal, estava mesmo no braço da criança, que entretanto trocara as lágrimas por sorrisos. E o enfermeiro lá conseguiu concluir a sua tarefa.
Esta é uma das histórias que o documentário Doutores Palhaços, realizado por Helder Faria e Bernardo Lopes (produtora Força Maior) e com estreia marcada para dia 22 de novembro, tira dos corredores dos hospitais e eterniza no grande ecrã, para mostrar a quem nunca se cruzou com a Operação Nariz Vermelho em ação o trabalho que 26 mulheres e homens fazem, todos os dias, em 15 hospitais do país. E que anualmente arranca sorrisos a 45 mil crianças.
Através dos depoimentos de membros das equipas do Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO Lisboa), do Hospital D. Estefânia, do Hospital Amadora-Sintra, do Hospital Pediátrico de Coimbra e do Centro Materno Infantil do Norte – que recordam vários casos em que a intervenção dos doutores palhaços, como são carinhosamente chamados por médicos, enfermeiros e crianças, foi determinante não só para os mais pequenos, como também para que os profissionais de saúde conseguissem cumprir a sua missão –, a longa-metragem levanta o pano sobre a importância que os narizes vermelhos têm no processo de doença. A essas visões, juntam-se também as dos pais que, com os filhos presos em camas de hospital, são provavelmente quem mais preza os sorrisos que os palhaços provocam às crianças. O filme não esquece, também, os responsáveis pelos sorrisos – que falam sobre o trabalho de doutor palhaço, que em muitos casos acaba por resultar numa ligação especial com as crianças e as famílias, como assinala uma das médicas intervenientes.
Se tecnicamente o documentário não é uma obra-prima – ainda que se compreenda que um hospital não é um estúdio e está longe de ser melhor local para um bom resultado final ao nível, por exemplo, da luz –, o documentário acaba por valer uma visualização pelo retrato que faz da condição humana. E a verdade é que o trabalho dos palhaços justificou a presença, na antestreia – que aconteceu esta semana no El Corte Inglés, em Lisboa – da ministra da Saúde, Marta Temido. A responsável pela pasta partilhou com a plateia que conheceu o trabalho da Operação Nariz Vermelho quando era ainda funcionária no Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO Porto). «Na altura pensei: que estranho, palhaços no hospital. Mas crianças, também é», disse a ministra. Marta Temido aproveitou ainda a ocasião para deixar uma mensagem: «É certo que na saúde há muitos momentos difíceis – na vida, de resto – e é preciso usar o riso como o melhor remédio, como fazem os doutores palhaços».
Se os doutores palhaços invadem hoje os quartos das crianças hospitalizadas no país para administrar o melhor remédio, isso deve-se à visão de Beatriz Quintella, que se inspirou no Big Apple Circus, um projeto nova-iorquino em que palhaços visitam crianças em hospitais. E é com uma história sobre esse projeto que um dos cofundadores da Operação Nariz Vermelho, Mark Mekelburg, arranca o documentário. A primeira vez em que Michael Christensen, o homem por trás do projeto norte-americano, foi ao serviço de pediatria de um hospital vestido de palhaço, um médico surpreendeu-o e chamou-lhe a atenção, «O hospital não é um lugar para palhaços», terá dito. E Michael, ao jeito de um bom palhaço, respondeu: «Concordo consigo Doutor, mas o hospital também não é um lugar para crianças».