Embora possa parecer estranho revolto-me mais facilmente quando assisto a pais com uma enorme agressividade que maltratam ou humilham os filhos gratuitamente do que com estes com quem só se pode passar algo de muito grave. Mais do que sentir revolta estas mães fazem-me imaginar em que condições estariam para cometerem atrocidades daquelas contra os próprios filhos. Fazem-me pensar na falta de apoio que tiveram, na falta de recursos, no seu estado mental e de que forma poderiam ter sido ajudadas. Se depois destes crimes serem cometidos não há outra solução além da prisão ou do internamento psiquiátrico, esta não impede que outros casos iguais ou piores possam acontecer, como também não resolve o sucedido.
Ainda se faz muito pouco no campo da intervenção precoce, que devia ser iniciada ainda durante a gravidez da mãe e continuada de forma atenta e multidisciplinar depois do nascimento do bebé. Muitas vezes gravidezes indesejadas acarretam enormes dificuldades emocionais e financeiras a mulheres e casais que vendo-se sozinhos lidam com o filho que nasce da melhor (ou pior) forma que encontram ou que conhecem. Mesmo mulheres que desejam engravidar, muitas vezes são surpreendidas por uma série de sentimentos estranhos e contraditórios, ao saberem que estão grávidas, com que não conseguem lidar. O resultado é o desamor, a depressão e o desespero e caso o bebé chegue a nascer sabe Deus como será recebido. São mães que estão muitas vezes num sofrimento intenso, que precisam de uma ajuda que não sabem pedir, sobretudo por vergonha. Ainda nas últimas semanas foi encontrado um feto no lixo na zona de Sintra que representa isto mesmo.
Talvez não fosse preciso vivermos num mundo ideal para que os serviços de saúde estivessem mais atentos a casos que poderão despoletar barbaridades destas. Se para tudo é necessária formação neste planeta e se para adotar uma criança são exigidas condições ao nível do ser mais perfeito, como se pode permitir que pessoas com perturbações do foro psiquiátrico, com elevado índice de pobreza, dependências gravíssimas ou em condições muito difíceis para receber e cuidar de um bebé de forma consciente e amorosa possam assumir essa enorme responsabilidade sozinhas sem um acompanhamento adequado? O que esperar do tratamento que pessoas que não conseguem cuidar de si próprias vão dar a um ser totalmente inocente e vulnerável?
Vivemos numa sociedade habituada a tentar resolver os problemas que já existem, muitos já sem solução ou com consequências brutais. Seja na área da saúde, da educação ou da justiça. Mas com uma grande dificuldade em prever e impedir catástrofes. Talvez de cem grávidas que fossem sinalizadas e acompanhadas mais atentamente apenas uma pudesse vir a ter consequências devastadoras para o bebé vindouro se não se tivesse feito nada. Mas ainda que não saíssem nas notícias, as outras 99 poderiam tratar de forma desastrosa e cruel os filhos ou viver em sofrimento, o que este acompanhamento mais atento poderia impedir. No mesmo sentido, bastaria salvar um bebé ou uma criança de um tratamento violento e inaceitável – a quem só devia ser permitido receber todo o amor e respeito por parte dos pais – tal como impedir que um pai fosse levado ao ponto de cometer uma desumanidade destas, que o esforço, tempo e recursos já teriam valido a pena.