Em 1993, o general Loureiro dos Santos tomou uma decisão sem precedentes na sua carreira: abandonar um cargo para o qual tinha sido apontado, o de chefe do Estado-Maior do Exército (CEME). Não concordava com a chamada ‘lei dos coronéis’, que ditava a reforma antecipada de dezenas de oficiais, e optou por sair em desacordo com o primeiro-ministro Cavaco Silva. Uma decisão agora relembrada como «um exemplo ético» pelo ex-Presidente da República Ramalho Eanes, que à Lusa e à RTP definiu o retrato do homem que se tornou seu amigo e «irmão por opção» e que partiu há uma semana, em Lisboa, aos 82 anos, vítima de doença prolongada. Loureiro dos Santos, que foi ainda ministro da Defesa entre 1978 e 1980 nos IV e V Governos Constitucionais, era também um um devoto académico com quase vinte títulos publicados.
Nos últimos tempos, era frequentemente consultado pelos meios de comunicação social para dar a sua opinião sobre as mais diversas temáticas no campo da Defesa.
José Alberto Loureiro dos Santos nasceu a 2 de setembro de 1936, em Vilela do Douro, concelho de Sabrosa, no distrito de Vila Real. E sempre sentiu o chamamento da vida militar, como o próprio contou numa grande entrevista concedida no ano passado ao Observador. «O meu pai era guarda republicano. Depois, só eu fui militar. Quando fiz o sétimo ano de liceu… sempre quis ir para a Academia Militar, ser oficial». Um caminho que acabou por trilhar no ramo da artilharia, tendo sido militar no ativo por mais de 40 anos.
Em 1974, quando a Revolução de Abril explodiu nas ruas, Loureiro dos Santos estava em Cabo Verde há dois anos. Já antes, com 27 anos, tinha sido mobilizado para combater em Angola , como recordou na mesma entrevista, numa comissão (1962/1965) que foi «relativamente fácil». «A minha unidade era a bateria antiaérea 386 e depois havia uma série de pelotões […]. A minha base era em Luanda e só saía de vez em quando, de avião, para visitar o equipamento e unidades espalhadas — algumas vezes saía a pé a acompanhar os meus soldados nalguma patrulha».
Em Cabo Verde, afirma que nunca se sentiu a ocupar um território. «Os próprios cabo-verdianos sentiam-se portugueses», relembrava. E foi em São Vicente – onde nos meses que antecederam o 25 de Abril «já defendia abertamente a instauração de um ‘regime socialista’» – que, através da rádio, lhe chegou a notícia da Revolução, momento após o qual chamou imediatamente os oficiais e sargentos sob o seu comando para lhes comunicar: «Finalmente, podemos andar com a cabeça erguida […]. Houve uma revolução em Lisboa e nós já não somos o sustentáculo da ditadura. O país passou a ser uma democracia e os órgãos que nos vão comandar são eleitos e isso deve-se aos militares, foram os militares que o fizeram, de certa maneira redimindo-se daquilo que têm andado a fazer, que foi sustentar durante tantos anos a ditadura».
De volta a Portugal, passa a exercer funções no Conselho de Revolução e opõe-se ao golpe do 25 de Novembro, tendo participado inclusivamente no planeamento da operação que o conteve. Já em 1977 foi vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Até que Mota Pinto, durante o Executivo presidencial de Ramalho Eanes, o chama para assumir a pasta da Defesa. Depois do já mencionado choque com Cavaco Silva, passa à reserva em 1993.
Durante o seu percurso sempre se interessou pelas temáticas da geoestratégia e geopolítica. Nesta linha, publicou quase 20 obras e deu inúmeras conferências. Foi ainda professor no Instituto de Estudos Superiores Militares, do qual fez parte do conselho científico, e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), no qual foi membro do Conselho de Honra. Também integrava, como personalidade externa, o Conselho Geral da Universidade Nova de Lisboa e era membro da Academia das Ciências de Lisboa.
As reações à sua morte vieram de vários quadrantes da sociedade, mas como na já citada entrevista que deu ao Observador – em que disse que viveu a sua vida como «um militar que procurou cumprir a sua missão» –, talvez o mais adequado seja dar destaque às palavras do comandante supremo das Forças Armadas, o Presidente da República. «Com uma excecional inteligência e vasta experiência académica, o general Loureiro dos Santos era detentor de um pensamento inovador nos conceitos de estratégia e Defesa Nacional, sendo considerado um dos mais notáveis militares da sua geração e o grande mestre da moderna escola de Estratégia em Portugal», escreveu Marcelo Rebelo de Sousa no site da Presidência. Na mesma nota, Marcelo afirma ainda que Loureiro dos Santos «teve uma destacada e reconhecida participação na vida pública portuguesa» e «uma contribuição muito relevante para a consolidação da Democracia».