Ouvir música, ver filmes, jogos de futebol e conteúdos diversos na internet é cada vez mais fácil e apetecível. Principalmente quando o preço convida ou quando, melhor ainda, é gratuito. Sempre houve quem procurasse online uma forma sem custos de aceder a filmes, músicas, jogos, livros e canais de todos os géneros. É assim, há vários anos, em todo o mundo. Mas, ainda que se saiba que a tendência é comum, também se sabe que há países onde a mão é muito pesada na hora de castigar quem não resiste à tentação de recorrer à pirataria. No topo da lista de países que não brincam com o assunto estão os EUA, a Alemanha e a Inglaterra. E não é de agora.
Quando, a meio de 2015, se intensificou a discussão em torno dos direitos de autor e do aumento do recurso à pirataria, os EUA já eram dos países que mais penalizavam quem cometia o crime. Depois de perceberem que não valia a pena continuar a estratégia de punir isoladamente quem cometia o crime, mudaram o foco. Passaram a massificar o combate à pirataria através de mão de ferro para os grandes distribuidores de conteúdos ilegais. Ainda assim, continuam a existir penalizações também para os utilizadores, até porque deixaram todos de poder usar desculpas. O utilizador chega a receber até seis alertas de que está a infringir a lei, quando o tenta fazer. Basicamente, estes avisos servem para consciencializar a pessoa que ‘descarrega’ o conteúdo pirata. Existem ainda casos em que as operadoras optam por diminuir muito a velocidade dos downloads, de forma a desincentivar os utilizadores.
Inglaterra também não deixa espaço para brincadeiras quando o assunto é proteger os direitos de autor. Quem conhece bem o tema e o que tem vindo a ser feito nas medidas de combate garante que este país tem de estar obrigatoriamente na lista dos mais severos nesta matéria. A penalização pode, no extremo, dar dez anos de prisão. Num outro ponto está a Alemanha que começou o combate à pirataria muito cedo. Em 2015, o país era notícia porque bastava uma prova de que tinha sido feito um acesso ilegal para que os advogados, da parte dos proprietários do conteúdo, entrassem em ação. E as multas, além de serem muito elevadas, é uma por cada infração. No ano em questão, descarregar ilegalmente um episódio da série The Walking Dead custou a um infrator 971 euros de indemnização.
Cenário português
Os esquemas de TV pirata em Portugal não são propriamente um novidade, mas têm vindo a ganhar cada vez mais adeptos. Intensificaram-se, por exemplo, nos últimos tempos, os acessos a serviços ilegais de IPTV [televisão por protocolo de internet], que funcionam de forma semelhante aos serviços de streaming da Netflix. São plataformas que disponibilizam múltiplos conteúdos que podem ser vistos na televisão, no PC ou até no telemóvel.
No caso dos serviços ilegais de IPTV, os ‘clientes’ pagam uma quantia simbólica, comparativamente com os preços praticados pelos operadores, e podem aceder a centenas de conteúdos. Basta uma busca rápida por qualquer um dos motores de busca para encontrar soluções à medida de cada consumidor.
Damos alguns exemplos. Pesquisando no Google aparece, por exemplo, a IPTV do Sogro que, por 60 euros por ano, dá acesso a mais de 1500 canais. Entre eles estão todos aqueles que qualquer bom adepto do desporto-rei pode querer ver. Mas há muitas outras opções. A IPTV da Tuga, uma outra solução, oferece por exemplo, por 70 euros anuais, vários canais de diversos países como Portugal, França, Reino Unido, Itália e Alemanha. Existem muitas outras opções e os preços podem ir dos 50 aos 80 euros por ano. Basta subscrever o serviço e é-lhe indicada a forma de fazer o pagamento. Normalmente, é através de transferência bancária. Simples, como em qualquer sistema de IPTV.
De acordo com Paulo Santos, presidente do Movimento Cívico Antipirataria na Internet (MAPiNET) e da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (FEVIP), «falamos de pirataria pura e dura. Nasceu esta nova forma de pirataria, que não podia ser mais conhecida. Há mesmo muita gente a aderir a estes serviços. Basta uma caixa desbloqueadora [fornecida pelos prestadores do serviço] e, mediante uma fidelização, é feito o desbloqueio de tudo. Neste caso, de canais».
Paulo Santos admite que são serviços que «para serem legais teriam de ter os direitos e o preço nunca poderia ser o praticado. As pessoas têm de ter consciência do que estão a fazer. Estamos a falar de crimes». Advogado de formação, Paulo Santos vai mais longe e sublinha que estamos perante «crimes de usurpação, branqueamento, acesso ilegítimo e fraude fiscal». E, claro, quem está a aceder a estes serviços «também está a cometer um crime. Todos podem ter problemas».
De acordo com fonte ligada ao setor das telecomunicações, é «complicado falar de números» quando a questão é quantos portugueses recorrem a estas modalidades, mas é possível «apontar para cerca de 10% do mercado legal [cerca de 390 mil pessoas, porque há 3,9 milhões a pagar para ver televisão]. São muitos milhões de euros roubados».
Os dados do relatório da FEVIP, a que o SOL teve acesso, mostram que «o ano de 2017 viu o número de conteúdos bloqueados aumentar exponencialmente devido à aposta em proxies [websites que replicam a informação de um site principal através de uma ligeira alteração da designação do nome]. Sendo websites que têm uma grande quantidade de conteúdos disponíveis para visualização ou mesmo download na internet, bloquear e atuar sobre estas proxies implica bloquear diversas vezes, inviabilizando os utilizadores de aceder». Uma estimativa recente aponta para 1000 milhões de sites bloqueados no ano passado. Mais de 507 milhões de filmes e mais de 400 milhões de séries deixaram de estar acessíveis a partir desses ambientes digitais.
O streaming (serviço de transmissão de vídeo e/ou áudio em tempo real, acessível através de uma ligação à internet) é dos setores que os relatórios mostram que mais tem crescido quando o assunto é o consumo ilegal de conteúdos protegidos e criação de websites dedicados ao efeito.