Três dias antes da hasta pública, o Ministério Público pôs em causa a «legalidade urbanística» do chamado ‘Plano Integrado de Entrecampos’, o projeto da Câmara de Lisboa para requalificação da zona (muito alargada) da antiga Feira Popular e de diversos terrenos, lotes e edifícios existentes nas proximidades. Mas então porquê? Será embirração, má-fé?
A procuradora da República junto do Tribunal Central Administrativo Sul faz uma apreciação muito crítica do projeto, quer do enquadramento geral, quer de certos atos e decisões concretos.
O MP analisou detalhadamente as diversas propostas e deliberações sobre o assunto, ao longo do tempo, assim como o conjunto de anexos (estudos, pareceres e correspondência com as diversas entidades ouvidas), que necessariamente são parte integrante de uma proposta deste tipo.
Quanto à opção pela figura de uma ‘Operação Integrada’, o entendimento do MP é lapidar: «Não se vislumbra a previsão da figura de Operação Integrada enquanto instrumento de planeamento do território».
Em segundo lugar, relativamente a um dos pontos mais bicudos do ‘Plano Integrado de Entrecampos’ – aquele em que, para conseguir um determinado volume de construção no perímetro da Feira Popular, a CML incluiu áreas dos arruamentos adjacentes (avenidas 5 de Outubro, das Forças Armadas e da República) -, o Ministério Público é lapidar: «A determinação da edificabilidade nos termos referidos pode, assim, ser considerada violação de normas do regulamento do PDM, do que resulta vício no loteamento e nos negócios e operações consequentes, e a suscetibilidade de impugnação».
O MP não podia ser mais claro: violação do PDM, com vício no loteamento, e possibilidade de impugnação. Aliás, várias vezes é dito que as decisões camarárias já tomadas estão «sujeitas a impugnação».
Em terceiro lugar, é expressamente referida a questão do entendimento sobre o volume de habitação efetiva previsto para o perímetro da Feira Popular.
O MP considera que está em vigor uma decisão da Assembleia Municipal de 2015, que só autoriza a venda dos terrenos se for permitido um mínimo de «25% de superfície de pavimento acima do solo para habitação efetiva». Ora, é entendimento que a Câmara ficou vinculada a esses valores, concluindo que estão «em falta cerca de 1.838 m2 de habitação efetiva». E podíamos continuar…
Quando o ofício chegou, preparava-se a CML para levar a hasta pública os terrenos da Feira Popular. Seriam vendidos em lotes, e esperava a Câmara arrecadar 200 milhões de euros (um quinto do orçamento camarário), até porque tem de pagar as indemnizações de centenas de milhões de euros à Bragaparques pela reversão do negócio. O executivo já respondeu às perguntas do MP, e a hasta pública foi entretanto adiada para ontem, dia 23 de novembro.
A 22, na véspera, o Ministério Público reitera críticas, deixando no ar a inviabilidade da operação, pela segunda vez em quinze dias. A CML não respeitou e o MP acabou por interromper no local a hasta pública.
Má-fé das autoridades? Nada disso: apenas o cumprimento da lei. Exatamente o que eu aqui escrevi em junho no artigo O luxuoso Plano Integrado de Entrecampos. É que até um cego via.
sofiarocha@sol.pt