A passada semana conheceu um novo (porém previsível) episódio na novela do orçamento italiano. A UE veio oficialmente rejeitar a proposta da coligação transalpina abrindo caminho ao Procedimento por Défice Excessivo (PDE). Trata-se de uma decisão óbvia pelo facto dos planos italianos serem completamente divergentes das regras de redução de défice e dívida que regem a união monetária. Os restantes governos dos estados membros terão agora que ratificar o processo, que inicia uma contagem de até 6 meses até à potencial aplicação de sanções. Ou seja, um período que ainda permitirá ampla negociação entre as partes.
Quando abordei o tema em finais de maio, procurei analisar a forma mais eleitoralista das medidas que acabaram por chegar à proposta de orçamento. Nessa altura a plena aplicação das promessas representaria qualquer coisa como 7% do PIB, montante que foi drasticamente reduzido para os atuais 2,4% de défice proposto por via da diluição do rendimento universal e corte de impostos. O problema é que estes 2,4% seguem em trajetória oposta ao que o anterior governo italiano propunha – 0,8% para 2019 – implicando um fim prematuro do objetivo de gradual redução da enorme pilha de dívida pública. A juntar a este número, as estimativas de crescimento que estão subjacentes ao orçamento estão altamente inflacionadas – bem acima dos restantes economistas incluindo os do próprio instituto de estatística italiano – o que descredibiliza ainda mais a capacidade de atingir a já elevada meta de défice.
O duelo com a UE tem prosseguido pelo facto de um dos membros da coligação italiana estar a retirar elevados dividendos políticos do confronto. A Liga, liderada pelo vice-primeiro ministro Salvini, conseguiu quase duplicar o seu apoio nas sondagens face ao resultado obtido na votação de março. Como sempre, estes objetivos de poder têm custos, que invariavelmente caem sobre os contribuintes. A confiança na economia italiana – essencial para o crescimento da mesma – está a esvaziar-se de forma cada vez mais óbvia. Os mercados de dívida são sempre um barómetro útil para aferir esta realidade. Em maio já era clara a desconfiança de investidores estrangeiros perante uma coligação populista e inexperiente, na altura o movimento de spreads de risco já apresentava movimentos de divergência atípicos face aos comparáveis espanhóis e portugueses. Ora esse movimento exacerbou-se e junta agora uma nuance ainda mais preocupante – a desconfiança dos próprios aforradores domésticos – que ficou bem patente na fraqueza exibida pelo leilão de dívida desta semana direcionado a investidores e aforradores locais.
Ainda vamos a tempo de testemunhar um desfecho racional para toda esta novela romana. Por enquanto a economia mundial ainda cresce, o que facilita em muito a gestão corrente. Mas cada vez mais sentimos o vento frio de contração económica, que recentemente soprou com maior intensidade na Alemanha e Japão, onde as respetivas economias contraíram no 3º trimestre de 2018. Se o Governo italiano prosseguir com a sua charada política arriscará mergulhar país numa recessão já no princípio de 2019. As recessões são historicamente as melhores aliadas dos partidos extremistas, o que faz suspeitar… será esse o real plano em marcha?
*Gestor fundo macro no BIG – Banco de Investimento Global