Uma vez mais, em Lisboa (agora em Benfica), encontrei outra inscrição do Velho do Restelo. Esta diz: «Põe a mente a funcionar, porque de smart só tens o phone!».
Realmente, na era em que quase todos usam o seu «smart phone» para diversas atividades, desde ver as horas, marcar o despertador, aceder ao correio eletrónico, ver as previsões meteorológicas, fazer pesquisas na Internet, consultar a agenda, escrever no Facebook, colocar fotografias no Instagram, enviar mensagens pelo Whatsapp, até telefonar, parece que acabamos por depender do telemóvel para quase tudo, deixando de utilizar a nossa mente para recordarmos o que temos de fazer ou para lembrarmos o que é essencial.
Os telemóveis passaram a ocupar um papel central na vida, e tornaram-se um instrumento indispensável no dia a dia. Por reunirem muitas funcionalidades num único aparelho acabam por ser muito práticos. Ajudam-nos a gerir diversas ações que temos de realizar diariamente, e permitem que não nos esqueçamos de nada. São quase como assistentes pessoais, extremamente competentes, que nos vão guiando ao longo do dia e apoiando, não só nas tarefas profissionais como também nas pessoais.
No entanto, por dependermos tanto deles, acabamos por deixar de realizar várias atividades mentais, descansando, por estarmos certos de que nunca deixarão de estar lá quando precisamos. O nosso cérebro, despertado por tantos estímulos externos, acomoda-se nas tarefas que não tem de desempenhar, e acaba por não realizar determinadas funções básicas.
Dizem os cientistas que há zonas do cérebro que ficam mais atrofiadas com o uso de «smart phones». Perdemos, por exemplo, capacidades de orientação, temos maior dificuldade em nos empenharmos em pensamentos reflexivos, tornamo-nos mais inquietos e aumenta a nossa distração, para além de deixarmos de exercitar a memória porque, efetivamente, a «Internet tornou-se uma espécie de memória transitória externa, onde tudo está armazenado coletivamente fora de nós», diz um estudo da Universidade de Colombia.
Porém, o cérebro humano é indispensável para que consigamos realizar, em perfeitas condições, muitas das funções básicas de que necessitamos na vida. O cérebro descansa, mas acaba por se tornar cativo das novas tecnologias. E é a nossa mente que nos permite pensar, discernir, avaliar e analisar criticamente aquilo que nos rodeia.
Como diz Maria Teresa Horta: «enredados na branda rede dos dias», no mundo virtual, acabamos por não conhecer verdadeiramente o mundo real nem o mundo interior.
Diz, lucidamente, Tolentino Mendonça: «faço parte dos que consideram intrusivo o uso do telemóvel quando se está à mesa ou dos que se alegram com a sua proibição em algumas escolas. Mas sei que isso é o século XX a lutar com o século XXI, uma batalha que está perdida. Estamos no olho de uma tempestade e teremos, como indivíduos e sociedades, de encontrar uma via de equilíbrio que ainda não vemos clara. Porém, já não podemos agir como se tudo continuasse como dantes».
Num diálogo curioso, duas personagens de As Falsas Memórias de Manoel Luz, de Marlene Ferraz, dizem: «Sabes quanto pesa uma borboleta, pai? (…) Mais do que a alma, menos do que a fome». Porque a alma é muito leve e a fome demasiado pesada… E é a alma que nos dá vida e nos permite vogar pela nossa existência com outra dimensão.
E, «Ao ler [ou ver] algo fora de nós, estamos a ver-nos ao espelho. O mundo que vemos é o reflexo humano dele mesmo», como diz Afonso Cruz. Aquilo de que nos apropriamos é uma projeção daquilo que somos, daquilo que sentimos ou pensamos. Porque aquilo que perdemos é, muitas vezes, aquilo que os outros encontram…
Maria Eugénia Leitão