Q uando, aos quatro anos, a educadora do meu filho mais velho resolveu abolir as sestas fui tentar perceber o que se passava. A resposta foi: ‘Não concorda? Os pais estão todos muito satisfeitos. Já desde o ano passado que me pediam para lhes tirar a sesta porque as crianças já não a faziam em casa. E para si também é ótimo porque assim o seu filho sai da escola cheio de sono, janta e vai para a cama, já viu?’. Não, não vi. O meu filho sai da escola, janta e vai dormir? É suposto isso ser ótimo para mim? O que eu vi é que o meu filho chegava a casa cansadíssimo e em vez de estar bem-disposto como antes começou a fazer birras e mais birras. Porque não queria tomar banho, porque afinal queria, porque não queria vestir o pijama, porque isto e porque aquilo. No fundo porque estava exausto, porque já não conseguia pensar devidamente e aquele que devia ser finalmente o nosso tempo de encontro, partilha e brincadeira passou a ser minado por um péssimo ambiente. Senti que fui traída pela escola. Não souberam perceber o que era melhor para ele e conseguiram transformar os nossos bons fins de tarde num tempo impossível e sobretudo com uma série de malefícios para a saúde e bem-estar dele.
Nessa escola cada educadora tinha uma filosofia e se com umas as crianças dormiam até aos quatro, com outras era até aos cinco anos. Tive azar. Já nas escolas do Estado não há volta a dar, ninguém dorme na pré-primária, mesmo que entre com dois anos e a sala pareça ter sido invadida por zombies. Seja por falta de condições físicas ou por as educadoras terem de cumprir o horário com as crianças acordadas. Algumas mais sensíveis ainda vão deixando as crianças que lhes parecem desesperadamente cansadas ou que adormecem na sala, dormir a um cantinho. Há ainda o caso de escolas privadas que apesar de receberem uma exorbitância por criança lhes negam uma das necessidades mais básicas. E outras que só deixam as crianças dormir depois dos três anos mediante uma declaração médica! Pergunto-me o que dirá essa declaração: ‘Declaro que a criança x é uma criança normal e que como todas as outras é crucial que continue a dormir a sesta até mostrar necessidade para tal’
Como devia ser mais ou menos óbvio, deve ser tida em conta a necessidade de cada criança e não a idade ou o que é mais conveniente para a escola. No mesmo sentido, tal como é uma brutalidade negar a uma criança de três anos o direito à sesta, também o é obrigar uma criança a dormir ou a ficar na cama acordada durante duas horas quando já não tem necessidade. Tal como tem de haver condições numa escola para a alimentação e higiene, têm também de existir espaços adequados para que no mesmo horário possa haver crianças a dormir e outras acordadas, consoante a idade e as suas necessidades. Esta é uma peça tão fundamental no projeto de uma escola como o recreio, a cozinha, as casas de banho ou a sala de aula. Manter esta privação poderá ter, como está mais que provado, consequências nefastas a curto e longo prazo. Seria bom que todas as escolas, que têm nas mãos a saúde das nossas crianças, acordassem para esta questão.