A polémica manipulação genética em embriões ‘made in China’

Um cientista chinês assegurou ter conseguido modificar o ADN de embriões de duas gémeas. A descoberta tem sido alvo de críticas. 

He Jiankui, um cientista chinês da Southern University of Science and Techonology (SUSTech), revelou na última semana que conseguiu, pela primeira vez, manipular geneticamente duas crianças. Em declarações à Associated Press, He Jiankui disse que o objetivo da sua experiência era garantir que os bebés em causa se tornassem resistentes a infeções provocadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH). Mas a opção tem sido alvo de várias críticas e tem gerado polémica entre a comunidade científica.

Rui Nunes, membro da direção da Cátedra da Unesco, explicou ao SOL que a discussão ética em torno da manipulação genética em embriões humanos já não é nova. A novidade está sim no que o cientista chinês diz ter conseguido fazer. E, agora que a ciência chegou a este patamar, o responsável disse que «era bom que já existissem linhas de orientação» para regulamentar «este tipo de prática». 

«Infelizmente isso não aconteceu e, portanto, mais uma vez a ciência ultrapassa-se a ela própria e põem-se em prática uma tecnologia que suscita questões éticas importantíssimas», completou.

Apesar de acreditar que o que motivou o cientista chinês a manipular embriões humanos foi o «bem da humanidade», isto é, que as intenções foram boas, Rui Nunes explicou que antes de se partir para a ação propriamente dita era preciso analisar todas «as consequências deste tipo de intervenção genética no ser humano». Existem várias consequências que «têm de ser devidamente ponderadas», acrescentou.

Primeiro é preciso perceber se é ou não legítimo manipular o embrião humano – visto que este já se rege pelos valores da comunidade moral humana, adiantou. Ou seja, segundo o responsável, esta alteração genética aconteceu já numa fase em que é discutível «se se pode manipular o embrião e as suas características genéticas», uma vez que não tem poder de decisão, sendo o pais a decidir. 

«Com a engenharia genética e a manipulação podemos fazer um leque muito alargado de intervenções», quer seja para tratar doenças muito graves, quer seja para manipular características humanas que não são doenças – como a parte física e psicológica –, havendo assim uma intervenção «no sentido de melhorar – sem nós sabermos o que é que significa melhorar na sociedade contemporânea». 

O especialista considerou que esta situação «é uma caixa de Pandora que se abriu» e que daqui para a frente, como não existem linhas de orientação internacionais específicas, não haverá legitimidade suficiente para dizer o que é ou não adequado.

Rui Nunes não tem dúvidas de que este foi um passo muito importante, que no futuro poderá trazer bastantes benefícios, mas voltou a reforçar que deveria ter sido elaborada uma regulação e «um pensamento ético devidamente estruturado para que os cientistas» possam saber o que podem ou não fazer.
O responsável falou ainda nos riscos que este procedimento trará para as gerações futuras. Estas modificações «vão perdurar na humanidade» porque «estamos a manipular toda a sua descendência». Alterações essas que não se sabe que consequências trarão para os seres humanos, completou.

Procedimento

O cientista chinês explicou à Associated Press que ele e a sua equipa terão conseguido alterar os embriões de, pelo menos, sete casais que estavam a fazer tratamentos de fertilidade. O caso de duas bebés gémeas, que terão nascido este mês, foi o primeiro bem sucedido. 

Nos últimos anos, a China tem vindo a estudar a resistência ao vírus do VIH – que resulta de uma mutação do gene CCR5. Esta alteração genética leva a que parte do gene seja eliminado, afetando assim a sua funcionalidade. Para combater esta mudança, a equipa de investigadores, utilizou uma técnica chamada CRISPR-Cas9 que, teoricamente, permite corrigir as mutações presentes no ADN. 

Apesar de a identidade dos casais não ter sido revelada, os investigadores referiram que todos os homens envolvidos na experiência estavam infetados com o vírus VIH, mas as mulheres não. O cientista explicou que o seu objetivo não seria «curar ou prevenir uma doença hereditária», mas sim tornar possível que nesse tipo de casais – em que pelo menos um indivíduo está infetado – possam ter um filho geneticamente protegido dessa doença.

A Comissão Nacional de Saúde da China revelou que irá «investigar seriamente» as declarações proferidas pelo cientista chinês. Também a SUSTech já disse que não está envolvida com o projeto e garantiu que irá abrir uma investigação a He Jiankui.