Quando Xi Jinping aterrar na quarta-feira em Lisboa para uma visita de dois dias a Portugal, será apenas a terceira visita oficial de um chefe de Estado chinês e a primeira desde Hu Jintao em 2010. Mas esta não será uma visita qualquer, porque marca o princípio de uma nova era na relação entre os dois países.
«O Presidente Xi, com os líderes portugueses, vai elevar para um novo nível o futuro desenvolvimento da Parceria Estratégica Global China e Portugal», afirmou esta semana o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Chao, em conferência de imprensa.
Numa altura em que Estados-membros da União Europeia procuram restringir os investimentos chineses no espaço da união, a China procura através de Portugal e de Espanha – que Xi já visitou a caminho da cimeira do G20 na Argentina – uma porta para a Europa.
«Países do sul da Europa, como Espanha e Portugal, têm um grande potencial no mercado chinês e deviam aproveitar a Iniciativa Cintura e Rota de forma mais inteligente e próativa», dizia Cui Hongjian, diretor de Estudos Europeus do Instituto Chinês de Estudos Internacionais, citado pelo South China Morning Post. «É uma manobra política para manter laços numa altura complicada para a China», disse à AFP, por seu lado, Ángel Saz-Carranza, coordenador do Centro para Economia Global e Geopolítica da ESADE de Barcelona.
Segundo o recente estudo Tendências do Investimento Chinês na Europa, publicado pela ESADE, Portugal foi o sétimo país europeu em termos de investimento chinês na Europa, mas com um peso superior em termos per capita ao da Alemanha e ao do Reino Unido.
Questionado sobre a pressão dos Governos alemão, norte-americano e, sobretudo, francês para que Portugal não aprofunde as relações com a China, o ministro dos Negócios Estrangeiros português garantiu ao SOL (v. entrevista nas páginas anteriores) que nunca sentiu nada disso por parte dos parceiros europeus. «A política externa portuguesa explica sempre aos seus aliados o que está a fazer com os seus parceiros, mas isso não é pressão, isso é uma interação entre iguais», explicou Augusto Santos Silva.
Mas, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães, atualmente a residir na China, dizia recentemente, em entrevista ao i, que «o Presidente Macron enviou uma mensagem ao Governo português dizendo que ficaria muito desiludido se Portugal entrasse na iniciativa chinesa».
Augusto Santos Silva, ao SOL, refere que «muito mais importante do que o investimento chinês em Portugal é o investimento chinês no Reino Unido, na França ou na Alemanha», rematando com um «não sejamos ingénuos», numa alusão a que cada Estado defende os seus interesses.
A Portugal interessa-lhe continuar a «cooperação ativa» e a «parceria estratégica» com a China e, segundo Wang Chao, «tem respondido positivamente» à iniciativa da nova Rota da Seda. Aliás, ao que tudo indica, entre os «19 instrumentos legais» que serão assinados na quarta-feira em Lisboa, e «que culminam um processo de intensa negociação bilateral em áreas que vão da cultura à ciência e da agroindústria ao comércio», de acordo com a nota divulgada pela Presidência da República Portuguesa, esteja a integração do porto de Sines na rota marítima da China para a Europa. Sines pode ser o fim e o princípio, a última escala da rota marítima e a primeira estação da rota ferroviária para o centro da Europa.
O antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus fazia alusão, na entrevista ao i, que Portugal sempre deixou claro «à China que a nossa relação seria aprofundada de um ponto de vista económico, mas que isso não teria consequências políticas». No entanto, Maçães – que publicou um livro sobre a expansão chinesa e a nova ordem mundial que a China está a tentar construir, O Despertar da Eurásia -, salienta que se Portugal aderir à nova Rota da Seda a situação muda de figura, porque esta é «uma iniciativa política muito ambiciosa, onde até agora participam alguns países da Europa de leste, mas nenhum país da Europa ocidental».
Isto é, já não se trata de um projeto económico, mas, sim, de um projeto político, aderir à nova Rota da Seda «vai alterar a nossa relação com a China e a Europa» e Bruno Maçães alerta que deveria haver «um debate aberto e profundo em Portugal sobre isto». Algo que não está a acontecer: «Portugal está apenas a dois ou três meses de tomar uma decisão fundamental para o seu futuro, sem que isso seja adequadamente debatido».
Santos Silva é taxativo, na entrevista ao SOL, «não se trata de aderirmos a uma iniciativa chinesa». «Nós não aderimos a iniciativas chinesas, nós somos Portugal, país soberano. Podemos é cooperar com essa iniciativa chinesa, porque há um interesse evidente e facilmente percetível», sublinhou.
Para Philippe Le Corre, investigador da Harvard Kennedy School of Government, Portugal e Espanha «estão a transformar-se em apoiantes soft da China nos palcos internacionais». De acordo com o académico, citado pela Bloomberg, «em termos de estratégia a longo prazo e de presença a longo prazo, estes lugares são atrativos para a China».
As relações entre Portugal e a China são históricas, reforçados pela transição suave da soberania de Macau para a China. Aliás, a delegação chinesa que acompanha Xi Jinping vai acertar as bases para as comemorações dos 20 anos da transição e os 40 anos das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China em 2019.