Há 36 anos que uma força de extrema-direita não entrava num órgão democrático em Espanha. Fundado em 2013 por um antigo dirigente do Partido Popular, Alejo Vidal Quadras, o Vox conseguiu furar o isolamento de décadas da extrema-direita ao eleger 12 deputados (quase 400 mil votos nas urnas), em 109, no parlamento regional da Andaluzia, quando em 2015 apenas conseguira 18 mil votos (0,46%). Espanha, aqui ao lado, deixou de ser uma das poucas exceções num continente em que a extrema-direita não para de ganhar força, seja nas ruas ou nas urnas.
O Vox foi o grande vencedor das eleições deste domingo, fortalecendo a direita. Ainda que o PSOE, cuja candidata foi Susana Díaz, tenha ganho as eleições com 28% dos votos (33 deputados), perdeu a maioria e o mais certo é abandonar o executivo após 36 anos ininterruptos com a eventual formação de uma aliança entre o PP (20%, 26 deputados), Ciudadanos (18,76%, 21 deputados) e Vox. Na noite de domingo, a hipótese foi de imediato colocada e ontem foi ganhando força.
Instigado pelos resultados históricos, o secretário-geral do Vox, Javier Ortega, mostrou confiança em “tirar o executivo ao PSOE da corrupção e da ineficácia” – uma das suas principais bandeiras discursivas, adiantando-se aos restantes partidos da direita espanhola. E, ontem, o líder do partido na Andaluzia, Francisco Serrano, voltou a reafirmar a mensagem: o Vox não será um “obstáculo para acabar com o regime socialista” na região.
Confrontados com o desafio do Vox, tanto o Ciudadanos como o PP mostraram abertura para uma eventual coligação. “Vejo-me hoje [ontem] incapaz de descartar qualquer cenário”, disse o secretário-geral do Ciudadanos, José Manuel Villegas, numa conferência de imprensa em Sevilha, sobre uma eventual coligação com o Vox. “Haverá um novo governo regional onde o PSOE não estará, nem Susana Díaz”. O Ciudadanos tenta assim tomar a dianteira nas negociações com o Vox, com o PP a não ficar atrás. “As linhas vermelhas [com o Vox] são a Constituição”, disse Juan Manuel Moreno, candidato do PP ao executivo da Andaluzia. Na noite das eleições, o líder do PP, Pablo Casado, garantiu ter aberto a “porta das negociações” por entender que o “Vox veio para ficar”.
O Vox poderá fragmentar ainda mais a direita espanhola, não apenas no plano regional mas também no nacional. A liderança do partido viu estas eleições como se fossem nacionais, prevendo que um excelente resultado o poderia catapultar para uma posição de força nas eleições que aí vêm – europeias, municipais e autonómicas. Situação que, por agora, não parece ser a grande preocupação das lideranças do Ciudadanos e PP, que apontam as baterias contra o PSOE de Pedro Sánchez. Ao aceitarem a coligação com o Vox, os dois partidos legitimam-no na arena política.
As forças políticas estão de acordo em afastar os socialistas do governo regional, mas o mesmo não acontece sobre quem deverá liderar a coligação. Tanto o PP como o Ciudadanos entendem que deverão ser os líderes da coligação, numa clara repercussão do combate pela liderança do campo do centro-direita a nível nacional. O Ciudadanos defende que a liderança do novo executivo deve ser sua por ter sido, além do Vox, o único partido a crescer eleitoralmente – passou dos 12 para os 21 deputados -, enquanto os populares e os socialistas foram penalizados. A liderança do PP considera que a liderança lhe cabe por ser o partido de direita com o maior número de deputados no parlamento regional.
Se os dois grandes dão sinais de não se entenderem, o Vox mostrou-se disponível e não especificou quais as condições mínimas para um acordo. Refira-se que o partido de extrema-direita não apresentou, durante a campanha, um programa político para a Andaluzia, limitando-se a usar o que tinha tornado público para Espanha no Palácio de Vistalegre.
Linhas vermelhas
O resultado do Vox apanhou tudo e todos de surpresa, com muitos a recearem um regresso em força da extrema-direita à política institucional espanhola. Para tranquilizar os mais receosos, o PP garantiu que as “linhas vermelhas são a Constituição”, mas a verdade é que o Vox rejeita, em grande medida, a Constituição.
No seu programa eleitoral, apelidado “100 medidas para a Espanha viva”, defende propostas que vão contra a lei fundamental espanhola: o fim do Estado autonómico – logo do parlamento em que acabou de entrar -, com centralização em Madrid, e a imediata suspensão da autonomia da Catalunha, mas também a extinção do Senado e do Tribunal Constitucional. Usando um discurso de defesa da hispanidade e do passado imperial espanhol, o Vox é profundamente anticomunista, defendendo a existência de “marxismo cultural” no sistema educativo, que terá colonizado as mentes dos cidadãos. Os seus principais alvos são o movimento feminista e LGBT. É neste sentido que uma das principais propostas do partido é o corte de financiamento a ONG feministas e a criação de um Ministério da Família com a aprovação de uma “lei orgânica de proteção da família natural e que a reconheça como instituição anterior ao Estado”.
Inspirando-se em Donald Trump, o Vox quer construir um muro em Ceuta e Melilla para travar a imigração, acelerar as deportações e impedir todos os imigrantes ilegais de terem acesso à saúde e educação, a que se soma a suspensão do Espaço Schengen.