Uma amiga que tem um filho no ensino primário não queria acreditar quando percebeu que o caderno da escola dele estava a ser usado essencialmente para repetir à exaustão – 10, 20 ou 60 vezes – frases como: ‘Não me vou voltar a virar para trás’, ‘Silêncio significa ausência de ruído’ ou ‘Vou estar mais atento nas aulas’. Questionado, o filho explicou-lhe que a professora incumbia os alunos de escrever estas frases durante a aula ou no intervalo, mas que, por acaso, agora até iria iniciar um sistema de recompensas e desistir do de penalizações. Outra professora do 1.º ciclo lamentava-se que tentava usar os intervalos para ajudar os alunos com maiores dificuldades mas ainda era insultada pelos pais por ocupar o tempo do recreio. Na verdade não concordo com nenhum dos procedimentos, mas o que mais me incomoda é aperceber-me como alguns professores estão perdidos e mesmo os com maior experiência se desdobram a tentar encontrar formas de ensinar um programa impossível a alunos muitas vezes totalmente desinteressados.
A antiga figura do professor primário – seguro, determinado e em consonância com a turma – está em extinção. Hoje em dia os professores parecem ilusionistas que tentam fazer passar por um pequeno buraco um enorme elefante. Têm de lidar com alunos indomáveis e mais exigentes, que se questionam mais e já nada têm a ver com a maioria dos alunos pacíficos de antigamente, acabando por se tornar desinteressados e irrequietos perante um sistema de ensino desajustado. E é aos professores que cabe a hercúlea tarefa de lhes tentar meter na cabeça um programa pouco estimulante, com atualizações de difícil compreensão, que se recusa a evoluir com o tempo e a acompanhar os interesses dos mais novos. A ajudar estão os professores que não ficam afetos à escola e que mudam todos os anos, passando o tempo que podiam estar a ensinar a procurar formas de domar a nova turma. De facto, só por ilusão esta tarefa será possível.
Se antigamente eram os estudantes que faltavam às aulas para irem para a rua manifestar-se, agora são os professores que fazem greve para reivindicar os seus direitos. Lembro-me da tristeza que me causava, quando trabalhei em escolas, ouvir os professores desesperados e sem ferramentas para lidar com alguns alunos, desejosos que chegassem as férias para os ver pelas costas ou aliviados quando alguns faltavam. Acho difícil que os alunos não se apercebam destas fragilidades.
Os papéis estão a inverter-se e os mais novos vão ganhando terreno em termos de poder, aprendendo cada vez menos e passando cada vez mais, num sistema de ensino e num programa desadequado. Podemos continuar a cismar em programas de resposta única, que limitam o pensamento, que são extremamente aborrecidos, castradores e pouco entusiasmantes, obrigando os professores a fazer das tripas coração para os lecionar e fingir que ninguém percebe que apesar de haver menos retenções os alunos sabem cada vez menos. Está-se a pedir o impossível aos professores, a retirar-lhes uma autoridade essencial e a tornar as escolas primárias, que deviam suscitar curiosidade e vontade de aprender, num lugar cada vez mais frustrante para todos. Isto porque continuo a recusar-me a aceitar, como me dizia uma professora, que «a escola não é para gostar».