George Herbert Walker Bush entrou gentilmente na noite boa, rodeado pela família, na sua casa de Houston, no Texas. Ainda acompanhou com os lábios o Silent Night cantado por Ronan Tynan e ouviu depois a canção gaélica que o tenor interpretou. Aos 94 anos, o 41.º presidente dos Estados Unidos cedia, cansado, à luta contra a doença de Parkinson, que o deixara limitado na sua capacidade de andar e de falar. Na altura da morte estavam no quarto o filho Neil Bush e a mulher, Maria, e os netos Pierce e Marshall.
«O meu avô George H. W. Bush, que faleceu serenamente ontem à noite [sexta-feira] era o centro da nossa família e era realmente um homem bom e gentil, pública e privadamente», escreveu a neta Lauren Bush Lauren, cofundadora dos projetos FEED, no Twitter. James Baker, o antigo secretário de Estado, afirmou à CNN que o último dia do antigo chefe de Estado «foi, realmente, um muito suave e sereno falecimento». E acrescentou que o seu amigo, com quem trabalhou como presidente, foi alguém que promoveu e cultivou o diálogo interpartidário: «Precisamos de parar de gritar uns com os outros e começar a ouvir-nos uns aos outros».
Sinal disso mesmo foi o diálogo profícuo e a amizade que estabeleceu depois com Bill Clinton, que o impediu de se reeleger para um segundo mandato. E que Barack Obama, outro presidente democrata, escrevesse que «a América perdeu um patriota e um humilde servidor» da causa pública.
George Bush filho, que serviu como 43.º Presidente dos EUA, escreveu na declaração oficial da morte que o pai era «um homem de grande caráter».
O embaixador António Monteiro, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, sublinha ao i que George Bush pai «era um homem de valores e, por isso, merece esta homenagem que está a ser unanimemente prestada». Um homem que «tentou manter os valores fundamentais e mais importantes da política americana», acrescenta.
George H. W. Bush foi o último dos presidentes veteranos da II Guerra Mundial, um conflito para o qual se voluntariou e no qual se tornou um piloto condecorado. Pragmático, tinha tanto de estadista como cultivava gostos simples: é célebre a sua afirmação contra os brócolos, de que já não gostava quando era miúdo e que, como presidente, não iria garantidamente comê-los.
Tinha um lado impaciente, arrogante até, como se notou durante um dos debates com Bill Clinton, na eleição que pensava estar ganha e que acabaria por perder – onde o seu adversário cunhou a célebre expressão «é a economia, estúpido!» –, quando desatou a olhar para o relógio, num gesto que mostrava certo desprezo pelo seu adversário.
Essa eleição marcou o ponto em que a velha era dos veteranos de guerra terminava e começava a dos baby boomers, mais mundanos, mais à vontade em termos mediáticos. Aliás, nas suas explicações para a derrota na eleição de 1992, Bush admitiu que não tinha sido «um comunicador suficientemente bom».
Filho do senador Prescott Bush, George Herbert começou a carreira política no Texas, para onde se mudou para fundar uma empresa de petróleo (que o tornou milionário aos 40 anos), a seguir à licenciatura na Universidade de Yale, completada depois da sua participação na guerra.
Em 1980, depois de ter chefiado a CIA, achou que tinha chegado a altura de lutar pela presidência, mas foi derrotado nas primárias republicanas por Ronald Reagan. Reagan deu-lhe a mão e Bush foi seu vice-presidente durante dois mandatos, transformando-se depois no sucessor natural desse ator medíocre que se transformou numa das grandes referências da política conservadora americana. A sua marca foi a da «continuidade», como diz António Monteiro: «Tentou manter os valores fundamentais e mais importantes da política americana.»
A Guerra do Golfo e a forma como lidou com o mandato da ONU para travar a agressão do Iraque ao Koweit, sem procurar substituir o regime, travando as tropas de avançar para Bagdade, deram-lhe um prestígio que não foi suficiente para superar o peso da crise económica.
O Air Force One viajou no domingo para o Texas de modo a transportar para Washington os restos mortais do ex-presidente, que faleceu na sexta-feira, aos 94 anos. Donald Trump ordenou que as bandeiras fossem colocadas a meia haste e que quarta-feira, dia do funeral de Estado de George H. W. Bush, seja um dia de luto nacional.
«Era um homem bom. Encontrei-me com ele em inúmeras ocasiões. Era um homem de grande qualidade que amava a sua família (…) Levou uma vida plena e uma vida que serve de exemplo», sublinhou o atual líder da Casa Branca sobre o seu antecessor, de quem não era propriamente um admirador e que também não nutria por si muito respeito. Em The Last Republicans, livro publicado em 2017 por Mark K. Updegrove, Bush diz taxativamente: «Não gosto dele. Não sei muito sobre ele, mas sei que é um fanfarrão. E não estou muito entusiasmado que seja ele o líder».