António-Pedro Vasconcelos está de volta às salas de cinema. Depois de Os Gatos Não têm Vertigens e Amor Impossível, o realizador recuou até ao início do Estado Novo, em 1933, para o ver pela lupa do Parque Mayer.
O filme que partiu de uma ideia do produtor Tino Navarro chegou na passada quinta-feira aos cinemas do país e levou ao grande ecrã uma ideia antiga do realizador – a de traçar um retrato de Portugal durante o fascismo, que fosse também uma homenagem ao fado mas que, em simultâneo, fugisse dos nomes grandes como Alfredo Marceneiro. E eis que Parque Mayer, sem personagens surge como ponto de encontro desses anseios e a década de trinta foi a escolhida para palco de um exercício que não se pretende – só – saudosista. «Tínhamos pensado inicialmente no final dos anos 20, mas depois percebeu-se que a melhor altura seria mesmo 1933», explicou o argumentista Tiago R. Santos ao i. «Foi quando a Constituição do Estado Novo foi aprovada, a Mitra [instituição criada com o objetivo de ‘combater a mendicidade’] abriu em Lisboa. Havia uma série de elementos de pressão externa que achámos que poderiam dar uma carga dramática ao filme».
O filme, conta a história de Deolinda (Daniela Melchior), a menina bonita acabada de chegar da província com o sonho de vingar e de fugir às agruras do campo – uma fuga para a qual a profissão de atriz aparece como sonho maior. É então escolhida para protagonista de uma revista no Teatro Maria Vitória – o único que continua em funcionamento dos vários teatros do complexo.
Entramos então no processo de construção do espetáculo, desde o dia de casting até à estreia, numa época em que a revista era de ouro, e onde Deolinda vive um inusitado triângulo amoroso com Mário (Francisco Froes), o encenador que está apaixonado por Eduardo (Diogo Morgado), o outro ator, que por sua vez está deslumbrado com Deolinda.
As canções são da autoria de António-Pedro Vasconcelos. «Queríamos relembrar o que era a revista, a vivacidade e a irreverência que caracterizavam a revista. Interessava-me regressar ao Parque Mayer como local privilegiado, senão único, de diversão numa altura em que não havia ainda rádio. O Parque Mayer era praticamente o único centro de diversões em Lisboa. Havia a Feira Popular, mas a Feira Popular era uma vez por ano, e o Parque Mayer tinha os tirinhos, tinha as farturas, tinha o boxe. As pessoas iam e passavam lá a tarde e a noite. Há esse lado lúdico, as pessoas riem-se imenso, mas depois há os bastidores», disse o realizador – que só conheceu esta vida de que fala na última fase dos anos de ouro da revista – ao mesmo jornal.
A teia completa-se com o fantasma cada vez menos etéreo da censura, com a polícia política que punha um açaime aos menos brandos costumes. «Sempre me impressionou a hipocrisia social e moral no Estado Novo», refere António-Pedro Vasconcelos. E este é também um filme para não esquecer. «Para aqueles que viveram quase meio século de fascismo relembrarem o que foram a dureza e o horror da privação de liberdade a todos os níveis, mas também para os que já nasceram com a democracia e com a liberdade perceberem que não são um dado adquirido».