As investigações ao universo do Grupo Espírito Santo estão longe de chegar ao fim. A cada diligência, novas portas se vão abrindo, mais culpas são apontadas e mais nomes são empurrados para um caldeirão que tem Ricardo Salgado como personagem central. O SOL sabe que nas últimas semanas, no âmbito de uma oposição feita pelo arguido José Manuel Espírito Santo ao arresto de duas casas, várias testemunhas, questionadas pelo juiz Carlos Alexandre, apontaram o dedo à Comissão de Partes Relacionadas. Este órgão foi criado em 2014 por determinação do Banco de Portugal, com o objetivo de avaliar se os produtos tinham ou não idoneidade e evitar colisão de interesses entre empresas do GES – um grupo que tinha 164 sociedades. E é aí que surge o nome de Rita Amaral Cabral, namorada de Marcelo Rebelo de Sousa, que, além de administradora não executiva do BES, fazia parte da Comissão de Partes Relacionadas juntamente com Joaquim Goes (presidente) e Horácio Afonso.
Na oposição ao arresto, José Manuel Espírito Santo considera que não existem indícios contra si que justifiquem o bloqueio de dois imóveis – que aconteceu em 2015, altura em que foram feitos os arrestos a todos os arguidos deste inquérito. Desde 2015 que o arguido tem contestado esta decisão, sendo que, na primeira vez que apresentou oposição, o juiz Carlos Alexandre indeferiu a consulta de documentação à defesa, justificando que o processo estava em segredo de justiça e que a consulta de elementos de prova poderia por em risco a investigação. Uma decisão que mais tarde acabaria revertida pela Relação. Após a consulta de alguns elementos, a defesa investiu novamente e é nesse novo processo de oposição que a Comissão de Partes Relacionadas – que no âmbito das investigações já havia sido referenciada – acaba por surgir.
As alegações finais desta oposição acontecem já na próxima terça-feira, depois de a defesa ter solicitado que fosse requerido ao Banco de Portugal a mais recente acusação do supervisor – relativa à parte da Eurofin – para reforçar a tese de que José Manuel Espírito Santo não tinha conhecimento de nenhum dos factos em investigação e que levaram a Justiça a arrestar-lhe dois imóveis.
A tese da investigação
Segundo o Ministério Público, existem indícios de que desde 2008 os investimentos e os custos operacionais da parte não financeira do grupo foram suportados pela constante emissão de títulos de dívida. Os investigadores consideram ainda que tanto em Portugal quanto na Suíça foram tomadas decisões com vista a dissimular as reais contas da Espírito Santo Internacional para iludir possíveis investidores. O arresto de 2015 teve por base a tese de que tudo foi orquestrado por Ricardo Salgado e com o conhecimento de José Manuel Espírito Santo. Algo que o primo de Salgado nega, diz que não sabia de falsificação de contas nem conhecia o risco dos produtos.
«Como pensamos ser fácil reconhecer, numa estrutura e numa organização complexas e de grande dimensão, nas quais várias frentes têm de ser asseguradas com competência, é obrigatória a divisão das tarefas entre administradores, conferindo-lhes pelouros dos quais se encarregam, aos quais se dedicam (com a colaboração, naturalmente, dos serviços e até de terceiros externos) e para os quais direcionam as suas responsabilidades e preocupações. Nesta senda, não pode nunca ser verdade que cada administrador do Banco, ainda que fazendo parte do Conselho de Administração e da Comissão Executiva, saiba os exatos termos do que corre no âmbito dos pelouros dos restantes administradores (ou no âmbito dos serviços)», refere a oposição, deixando claro que eram alheios às funções de José Manuel Espírito Santo os assuntos financeiros, de contabilidade, tesouraria e de investimento. É nesse contexto que o arguido dá o exemplo das funções de Ricardo Salgado, António Souto, José Maria Ricciardi e Rui Silveira.
No documento da defesa, que deu entrada no Tribunal Central de Instrução Criminal em julho deste ano, nem uma palavra sobre a Comissão das Partes Relacionadas, mas o assunto acabou por ser amplamente abordado durante a produção de prova, segundo o SOL apurou.
José Manuel Espírito Santo tem defendido que o facto de participar no Comité ALCO (Asset and Liability Committee), presidido por Ricardo Salgado, só por si não significa que tivesse tido conhecimento de tudo o que se estava a passar com as contas da ESI ou com os produtos que eram colocados no mercado.
Questionado sobre estas matérias, o advogado Rui Patrício, que defende José Manuel Espírito Santo, disse apenas: «A questão de terceiros, sejam eles quais forem, é indiferente para a defesa do meu cliente. O que é importante é o que ele sabia ou o que ele não sabia. E em quem ele confiou e podia confiar.»
Testemunhas apontam o dedo à comissão de Rita Cabral
A verdade é que várias testemunhas, alguns antigos funcionários do BES, confirmaram quais as funções dos diversos organismos – apontando a Comissão das Pertes Relacionadas como sendo responsável pela avaliação da solvabilidade dos produtos, admitindo que a haver problemas os responsáveis desta comissão tinham de ter agido em conformidade.
Nos processos do Banco de Portugal, nem Joaquim Goes, nem Rita Amaral Cabral, nem Horácio Afonso foram acusados – apesar das funções que tinham nesta comissão, e nem sequer o papel da comissão foi abordado.
Ainda que a defesa de José Manuel Espírito Santo tenha deixado claro ao SOL que a questão de terceiros é indiferente, a verdade o que o facto de algumas testemunhas terem dito perante o juiz Carlos Alexandre que algumas pessoas que não têm sido visadas pelas investigações tinham mais responsabilidades sobre a avaliação dos produtos acaba por reforçar a posição de José Manuel Espírito Santo – a poucos dias de se saber se o Tribunal Central de Instrução Criminal vai ou não manter o arresto de 2015.
O SOL contactou ontem Rita Amaral Cabral para obter uma reação, mas a ex-administradora não executiva do BES não quis fazer qualquer comentário.
Procuradora do universo GES sai para o lugar de João Melo
O atraso nas investigações ao universo GES são muitos e entre os investigadores há mesmo quem já ponha a hipótese de tudo não estar terminado no próximo ano. Para piorar este cenário, nos últimos dias saiu da equipa a procuradora Cláudia Porto, que foi substituir o procurador João Melo – que passou para a direção da PJ – no crime violento. Ao que o SOL apurou, a magistrada estava já insatisfeita na investigação, nomeadamente por divergências com um outro procurador, e já tinha mostrado disponibilidade para sair, o que agora acabou por acontecer.