A primeira-ministra britânica, Theresa May, mais uma vez não conseguiu o que queria da União Europeia. Os líderes europeus rejeitaram as suas tentativas de conseguir alguma margem no acordo negociado, em particular em relação à salvaguarda da questão fronteiriça irlandesa.
May propôs limitar a salvaguarda a um período inicial de 12 meses, num esforço para apelar à ala eurocética do seu partido e dos seus parceiros de coligação, os norte-irlandeses do Partido Unionista Democrático (DUP), críticos deste plano.
«As salvaguardas são tão inaceitáveis agora como eram em Dezembro último» garantiu no Twitter Nigel Dodds, vice-líder do DUP. «O que é necessário não é a defesa deste acordo de saída, mas mudanças substanciais neste texto legalmente vinculativo» reforçou. Os lealistas receiam que uma diferenciação de regimes alfandegários entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido seja o princípio da separação da união. «Eles estão a fazer o que sempre fizeram» disse Arlene Foster, líder do DUP, referindo-se à UE. «A questão chave é se a primeira-ministra irá enfrentá-los ou se irá rebolar como já aconteceu antes».
Já entre os conservadores eurocéticos o acordo não respeita a vontade popular expressa no referendo do Brexit. Rees-Mogg escreveu no Twitter que as salvaguardas do acordo irão «negar ao Reino Unido uma política comercial independente». Segundo o deputados, dos mais críticos do acordo e da liderança de May, a Grã-Bretanha ficaria «afastada do mundo e com o comércio e a economia regulados por Bruxelas».
Na cimeira europeia desta semana, em Bruxelas, a primeira-ministra britânica afirmou, numa tentativa de convencer os restantes líderes europeus que «temos de mudar a perceção de que as salvaguardas são uma armadilha», insistindo que estas têm de ter uma duração limitada e que a revisão do acordo era «única capaz de passar no Parlamento» britânico.
As alterações foram apoiadas pela Áustria e pela Alemanha da chanceler Angela Merkel, que já prometera garantias ao Reino Unido. Um membro do Governo alemão afirmou ao Irish Times que Berlim continua a apoiar a existência de salvaguardas, mas lembrou que «sem acordo não há salvaguardas».
No entanto, Irlanda, França, Suécia, Espanha e Bélgica recusam-se a mexer no acordo, até porque duvidam que May consiga convencer os deputados britânicos relutantes com estas concessões técnicas.
O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, também se manteve firme, dizendo que as cláusulas de salvaguarda a uma fronteira física na ilha da Irlanda não são discutíveis. «O acordo que temos é o único em cima da mesa», afirmou na cimeira europeia.
Uma saída não negociada e a necessidade de controlos alfandegários seria um sério problema político para o primeiro-ministro irlandês. A não existência de controlos foi uma parte fundamental do Acordo de Sexta-feira Santa, que pôs fim à violência sectária entre lealistas e nacionalistas irlandeses em 1998.
O mecanismo de salvaguarda em questão pretende evitar um regresso às barreiras físicas entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. Sendo a primeira um Estado membro da UE e a última parte do Reino Unido, ambas têm atualmente regimes comerciais e alfandegários semelhantes. No entanto, no caso de uma saída sem acordo, surgiria a necessidade de barreiras físicas. Tanto a UE como o Reino Unido querem evitar a entrada de produtos sem regulação ou que façam concorrência desleal. Como tinha dito em Setembro Michel Barnier, chefe dos negociadores da UE «o mercado único é a nossa principal força», «não o iremos danificar».
«Gostaríamos que em algumas semanas os nossos amigos do Reino Unido clarificassem as suas expectativas», disse, por seu lado, Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Para o líder da Comissão Europeia «este debate tem sido algumas vezes nebuloso e impreciso».
No entanto, a clarificação desejada por Juncker parece cada vez mais complicada. O Governo conservador tem até 21 de janeiro para submeter o texto do acordo do Brexit à votação do Parlamento. Jeremy Corbyn, líder do partido Trabalhista, o maior partido da oposição, tem aumentado a pressão sobre o Executivo conservador nesta matéria. «Não pode haver mais hesitações, demoras ou tentativas de atrasar o processo, para negar opções alternativas ao Parlamento», referiu.
O líder dos Trabalhistas tem mantido reuniões com o ministro sombra do Brexit, Keir Starmer, que procura pressionar o partido para submeter uma moção de censura ao Governo antes das férias de Natal do parlamento que começam na próxima quinta-feira. A opção ainda não foi posta de lado, mas vai depender da reação dos conservadores eurocéticos e do DUP quando Theresa May apresentar, na segunda-feira, o seu relatório sobre a reunião do Conselho Europeu.
Nick Boles, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros conservador, recomendou a May que procure abrir conversações com Corbyn: «Na próxima semana, deve abrir discussões interpartidárias e se Corbyn não aceitar, fale com o Partido Nacional Escocês, o Plaid Cymru [País de Gales] e isole os deputados do Partido Trabalhista». Para Boles, citado pelo site iNews ccc, será impossível que May consiga fazer passar o acordo na Câmara dos Comuns apenas com o apoio dos conservadores e do DUP.
Os deputados conservadores foram avisados pelo líder da sua bancada parlamentar para não se ausentarem e se «manterem atentos às táticas da oposição nas próximas semanas» afirma uma fonte do partido ao The Guardian.
A matemática parlamentar continua a não favorecer May e é cada vez mais difícil conciliar posições dentro dos Tories, mesmo que tenha vencido a moção de confiança à sua liderança esta semana, anunciando que não será candidata nas eleições de 2022. Como escreveu um dos seus ministros, Alistair Burt, «depois do Apocalipse, tudo o que sobrará serão as formigas e deputados conservadores a queixarem-se da Europa e da sua líder.»