Meco. Um silêncio interminável

Cinco anos depois, os pais dos seis jovens que morreram no Meco continuam sem respostas. A forma como morreram os filhos é uma incógnita, mas garantem que nunca vão desistir.

O Texas chegou ao Barreiro em janeiro de 2014. Apesar de assustar qualquer um quando ladra, só quer brincadeira. Mas o Texas chegou atrasado para conhecer a sua dona. Catarina Soares sempre quis ter um cão, mas a família viajava muito e, por isso, nunca se quis comprometer com tamanha responsabilidade. A jovem morreu na noite de 15 de dezembro de 2013, há precisamente cinco anos, na praia do Meco. Com ela, morreram mais cinco estudantes da Universidade Lusófona. O vazio invadiu a casa onde agora vivem os pais e o irmão. O seu quarto permanece igual, intocável, tal como Catarina o deixou quando saiu para ir até Sesimbra ter com o grupo constituído pelo Dux e único sobrevivente, João Miguel Gouveia, e com os restantes representantes de cada curso da faculdade.

«É o meu ansiólitico», conta António Soares, pai da jovem que morreu aos 22 anos, referindo-se ao cão que passeia pela casa. A ideia de comprar o Texas foi do filho e aprovada pela psicóloga que segue o casal. Têm apoio psicológico e psiquiátrico há cinco anos. «Só em consultas de psiquiatria já lá vão 60», diz Fernanda, que não dispensa a ajuda destes profissionais. Encara as consultas como uma terapia, onde pode falar, pode ser ouvida e se sente compreendida. Além disso, criaram um grupo chamado «Pais em luta» que conta com outras pessoas que também perderam os filhos. Aliás, é com um casal desse grupo que têm passado os verões. «Falamos a mesma linguagem», diz António. Mas a forma de lidar com a perda de um filho não é linear. Como diz a mãe de Catarina Soares, «não há definição no nosso dicionário para a perda de um filho». 

Perto das Olaias, em Lisboa, está José Soares, pai de Tiago Campos. A forma que encontrou para tentar lidar com a situação foi o silêncio. Terminou as sessões de psicologia, deixou os ansióliticos e refugiou-se no trabalho. «Não falava com ninguém, afastei-me de toda a gente e isso não é bom», conta José. 

O silêncio alguma vez será quebrado?

«O silêncio é uma confissão», escreveu um dia Camilo Castelo Branco. Mas, neste contexto, a afirmação não bate certo. O silêncio é hoje o pior inimigo dos pais dos seis jovens que morreram na praia do Meco. E significa tudo menos uma confissão. O silêncio de João Miguel Gouveia, o único sobrevivente, cria nestes pais uma angústia que teima em crescer à medida que o tempo passa. 

O processo foi arquivado em março de 2015 pelo Tribunal de Setúbal depois de se ter considerado que não havia indícios de crime. O tribunal alegou que não existiam provas capazes de provar que o João Miguel Gouveia tenha «sujeitado, pelo menos conscientemente, os colegas falecidos a um perigo que não pudessem eles próprios avaliar e evitar». Em janeiro de 2016, a decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, depois de as famílias terem pedido recurso. Para José Soares, a Justiça portuguesa não funcionou «porque houve interesses de entidades, de pessoas que ajudaram a que isto ficasse assim. Mais em prol de defender a universidade. Há pessoas que não estiveram ligadas diretamente ao processo, mas que tiveram um grande peso. Desde o principio que isto foi mal conduzido». 

Depois disso, as seis famílias, sempre representadas pelo advogado Vitor Parente Ribeiro, decidiram avançar com seis ações de responsabilidade civil – uma por cada aluno que morreu – contra João Miguel Gouveia e contra a Universidade Lusófona. 

Uma das provas que pediram foi a tomada de declarações de João Gouveia, enquanto réu no processo cível. «É muito triste termos de ir pedir dinheiro por um filho para sabermos a verdade. Eu quero saber o que se passou», diz a mãe de Catarina Soares. E António acrescenta: «Como é possível alguém ter de ir pedir uma indemnização por um filho para ouvir o outro lado a responder às nossas dúvidas? Mas não temos outra hipótese e ainda estou mais revoltado por isso». 

Do lado dos amigos dos jovens, tanto de Tiago, como de Catarina, o silêncio também permanece até hoje. Sobre o grupo que se encontrou em Sesimbra no fim de semana de 15 de dezembro sob o pretexto de preparar as praxes do ano seguinte, os pais consideram que não eram amigos, eram apenas conhecidos, já que cada um deles era representante de cada um dos cursos da Universidade Lusófona. «Eu nunca tinha ouvido falar aqui em minha casa em nenhum daqueles nomes». Os amigos e colegas da faculdade nunca falaram com os pais. «Da faculdade nunca apareceu ninguém, é muito estranho. Será que a Catarina tinha amigos na faculdade? Eles não falam connosco porque? Por medo, por pressão?», questiona a mãe da jovem, que acrescenta «eu não tenho uma doença chamada Ana Catarina. As pessoas dizem que foram amigas da minha filha, usufruiram da nossa relação de família e depois fogem de um momento para o outro». 

Dúvidas e coincidências

Fernanda diz ter «24 páginas de dúvidas». «Quem é que me esclarece essas dúvidas?», pergunta. O processo cível tem exatamente esse objetivo e é a luz que os pais vêem e que lhes dá esperança para poderem saber o que aconteceu na noite de 15 de dezembro de 2013. 

A história permanece uma incógnita, apesar de que para José Soares é claro o que aconteceu: «Foi uma praxe na praia. Acredito que não havia intenção de fazer mal, mas aconteceu. E também acredito piamente que há mais gente envolvida. Tanto acredito que há uma testemunha que um, dois dias depois veio dizer que passado horas já estavam pessoas lá dentro da vivenda. Ou andavam ali perto, ou estavam lá». Os pais de Catarina também concordam: «Como é que me vão dizer que aquilo não foi praxe? É tanta mentira e tanta justificação sem nexo». A questão da limpeza da casa com a justificação de que era necessário entregar a chave ao senhorio, a ida de João Miguel Gouveia ao hospital sem nunca ter revelado ao médico o que realmente se passava, são questões que só podem ser resolvidas quando «o João Miguel Gouveia ou alguém que esteve lá também, ou que sabe, decidirem falar». Os pais acreditam que naquela noite, o Dux não estava sozinho, até porque segundo o código da COPA (Comissão Organizadora da Praxe Académica), o Dux não pode praxar sem supervisão. 

O ex-Dux alegou que os colegas não estariam amarados com pedras, mas sim com bolas de natal. «Em vez de estarem a arrastar pedras, estavam a arrastar bolas de natal? As pessoas não sabem distinguir uma bola de natal de uma pedra?», dizem os pais. Além disso, João Miguel Gouveia alegou ainda estar em pré-hipótremia. Segundo o médico legista não existe esse estado, além de que, conforme os pais de Catarina Soares citam o médico, «ele não aguentava mais de quatro minutos naquelas condições com aquela temperatura sem ter lesões graves».  

A demora da Polícia Judiciária também revolta quem perdeu os filhos na praia do Meco. «A Polícia Judiciária só falou connosco em janeiro, veio cá a casa fazer o protocolo. Sentaram-se ali na mesa escreveram, escreveram, nós assinámos e foram embora», dizem os pais. 

Além de todas as dúvidas, os pais dos jovens foram processados por difamação. Um processo movido pelo Procurador do Ministério Público, Joaquim Moreira da Silva, estando até à data com termo de identidade e residência. 

A instituição

Meses depois da tragédia, a Universidade Lusófona marcou uma missa em homenagem aos seis jovens que perderam a vida no mar, mas, motivados pela revolta em relação à instituição, nem todos os pais estiveram presentes. O contacto entre faculdade e pais foi feito através de uma carta registada. O único contacto. Depois de receber esta carta, António foi ao Campo Grande, ao sitio onde estudava a filha. «Eles mandaram uma carta para casa a dizer que se precisássemos de apoios, estavam disponíveis e eu agarrei na carta e fui falar com o reitor. Foram secos, foram impessoais». Depois disto, os pais de Catarina fizeram uma única exigência: «O nome da Catarina não é proferido naquela missa de peito feito pela Lusófona».

Hoje, o pai do Tiago refugia-se no trabalho: «Tento evitar locais que me façam lembrar o meu filho». No Barreiro, em casa de Catarina Soares, a mesa da sala só serve para pousar os papeis do processo. Há cinco anos que não é usada para comemorar o Natal, ou um aniversário. «Ficar sem um filho é contra-natura. Nós passámos a ser atores de uma tragédia», dizem os pais da jovem que estudava hotelaria.