António Guterres destacou esta semana a importância dos «migrantes», afirmando mais uma vez – não foi a primeira – que a sua mãe de 95 anos precisa de assistência permanente em casa e que nunca são portugueses a prestar-lhe esse serviço. Mas qual é, de facto, o peso dos imigrantes nas empresas que prestam apoio ao domicílio a idosos?
Para responder à pergunta, o SOL contactou várias empresas – e as três respostas recebidas confirmam as declarações do ex-primeiro-ministro e atual secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Heloísa Varela, diretora técnica da Consolar, que está há sete anos no mercado, explica ao SOL que «as colaboradoras imigrantes são a maioria. Veem especialmente do Brasil e dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa)». A equipa conta com um total de 26 colaboradores e tem apenas dois homens, sendo que as idades dos colaboradores variam entre os 26 e os 45 anos. A responsável assinala que à Consolar, que desenvolve serviços na Grande Lisboa, chegam pessoas para trabalhar que vivem situações de especial fragilidade e que a empresa acaba por ajudar no que é possível. «Estas pessoas apresentam grandes necessidades. Desde a legalização – damos ajuda para que possam legalizar-se e ter autorização de residência, para que as possamos admitir –, temos senhoras que habitam em casas com 10 pessoas no mesmo no quarto, por exemplo, e ajudamos com cabazes de alimentos, também, porque quando estas pessoas nos chegam estão realmente em situações de fragilidade e de risco». A formação, essencial neste tipo de trabalho, é garantida pela empresa. No entanto, «a maioria das colaboradoras do Brasil têm formação, têm o curso de técnica de enfermagem, que não é válido cá, mas dá-lhe bases para trabalhar. Outras pessoas têm experiência na área de geriatria – já trabalharam com outras empresas de apoio domiciliário e até mesmo em lares de idosos», descreve Heloísa Varela
Quanto a funções, as colaboradoras garantem a higiene pessoal, cozinham, limpam e tratam da roupa. Por vezes, «acabam por ser mais damas de companhia», levando a consultas médicas, ou a situações de lazer. As tarefas e os horários variam muito, e as remunerações variam também consoante isso: entre 300 euros (nos casos de menos horas) e 800 (quando o horário é mais alargado). «Há mesmo uma colaboradora que leva 1200 euros para casa», afirma a responsável.
E a língua, é um obstáculo? «Quando percebemos que pode ser, não admitimos as pessoas», responde a diretora. Quanto às idades dos clientes, variam entre os 60 e os 100 anos e são na maioria dos casos os filhos que procuram o serviço.
A responsável admite que ao colocar um anúncio, a maioria dos interessados são imigrantes. E como interpretar isso? «Estas pessoas estão em Portugal com uma postura de que têm de sobreviver e estão dispostas a fazer o que for possível para isso», ao contrário dos portugueses, «que estão no seu país e acabam por ter uma base de apoio da família». Assinala que as funcionárias brasileiras são mais carinhosas e fala mesmo numa «paixão» pela ajuda ao idoso. As colaboradoras portuguesas, por sua vez, «exigem muito e não estão disponíveis para fazer tudo».
Noutra empresa, a experiência não é muito diferente. A LxisCare está no mercado da Grande Lisboa há nove anos e uma parte significativa da equipa de 100 pessoas – uma maioria de mulheres, havendo apenas dois homens – são brasileiras. De momento, contudo, a maioria são portuguesas, mas Sandra Ferreira, a proprietária, nota que isso está sempre a mudar e alturas há em que trabalha com uma maioria de brasileiras – que são precisamente quem mais se candidata a vagas para cuidadoras, a par de pessoas oriundas dos PALOP.
«Não me surpreendem as palavras de António Guterres. É verdade», conclui. Segundo Sandra Ferreira, as portuguesas que são internas estão numa «faixa muito específica, dos 45 anos para cima, e são mulheres divorciadas e que ficaram sem nada»: «Ser interno é viver na casa dos outros, viver a vida dos outros, os problemas dos outros, as discussões dos outros».
A maioria das colaboradoras não tem formação. Algumas nacionais, no entanto, são auxiliares de ação médica, e muitas brasileiras são técnicas de enfermagem – «praticamente sabem fazer tudo o que as enfermeiras fazem, o que é ótimo», afirma a diretora. Este ano, a empresa fez um protocolo com uma empresa no Brasil «para trazer enfermeiras diretamente de lá, com contrato de trabalho, para trabalharem como internas de 24 horas», uma experiência que tem corrido bem, nas palavras da responsável.
Os clientes, de resto, têm mais de oitenta anos. A lógica de serviços e da remuneração na LxisCare é a mesma da da Consolar: ganha-se mais consoante os serviços e as horas de trabalho, sendo que a funcionária que ganha menos leva para casa cerca de 400 euros e a que ganha mais consegue 1600, com a média a fixar-se nos 1000 euros.
Noutra empresa do setor, a Interdomicilio – que opera em Lisboa, Porto e Braga –, o panorama é idêntico, mas a empresa emprega também colaboradoras oriundas da Europa de Leste. E Hélder João, o diretor, garante que a língua não é impeditiva – «são pessoas que sabem falar bem português». O responsável destaca que os colaboradores acabam por desenvolver uma ligação com os clientes e justifica a maior procura da função por parte de imigrantes com «o facto de estarem sozinhos no país e terem mais disponibilidade».
O SOL contactou o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social para saber quantas entidades privadas e Instituições Particulares de Segurança Social (IPSS) direcionadas para o apoio domiciliário a idosos são licenciadas pela Segurança Social, bem como a nacionalidade dos colaboradores, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. Em Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia assume-se como uma das principais entidades a desenvolver este tipo de serviço e, segundo dados disponibilizados ao SOL, a instituição apoiou em 2017 3721 pessoas. Questionada quanto às nacionalidades dos cuidadores, a Santa Casa não respondeu até ao fecho desta edição.