Volto a esta memória quando ainda se fala da visita do presidente chinês ao nosso país. E também depois de ter tentado comprar uma trotineta no Ali Express. Estes dois acontecimentos não estão relacionados, mas na altura em que acontecem abundam as análises sobre as principais ideias e ideais da sociedade chinesa e o seu papel no mundo. E só me vem à memória uma frase batida: é impressionante.
É impressionante a escala das coisas, na China tudo é grande e em grande, chega a ser avassalador. À velocidade a que se constrói um prédio no ocidente, na China ergue-se uma cidade. Eu ainda estou a perceber se consigo encomendar só uma ou se tenho de comprar vinte trotinetas. É impressionante a velocidade da transformação, como o país imensamente rural aprendeu depressa na London Business School, integrando-se no mercado global e adotando muitos padrões ocidentais que, mesmo longe de serem os dominantes, são altamente influentes. É impressionante perceber o papel que a China tem no mundo de hoje, a expectativa que o mundo tem para a China e a forma discreta como se está a efetivar esta tomada de poder. É impressionante antecipar a importância que terá amanhã. É raro encontrarmos um facto ou acontecimento sobre o país que não impressione – o que não deixa, também, de ser impressionante.
E os meus autocolantes ‘Made in China’?
Na minha busca por uma trotineta elétrica, assumi que o melhor sítio para descobrir o preço e comparar as principais características dos diferentes modelos seria a aplicação Ali Express (Alibaba). Assim fiz e fiquei muito surpreendido quando reparo que, em muitas das descrições de produto, aparece um ‘Não é a Xiaomi’ ou ‘A verdadeira Xiaomi’, aqui apresentado numa das suas múltiplas representações ortográficas. O que aconteceu ao ‘Made in China’? Agora diz-se ‘Xiaomi’?
O ‘Made in China’ não morreu, longe disso, mas evoluiu muito desde que arranquei o autocolante do interruptor. A fábrica do mundo, que esperava que outros investigassem tecnologias e desenvolvessem produtos, que acabariam por ser produzidos (e copiados) na China é hoje um dos países que mais inventa. A China não só é uma superpotência, como é a que tem mais potencial. E como tal, com um mercado interno em expansão, um produto muito competitivo e uma diáspora muito disseminada, a ascensão das marcas chinesas só peca, ou só se estranha, por tardia. Mas mais vale tarde do que nunca e hoje o consumidor ocidental já tem uma imagem formada da Xiaomi ou da Huawei. E da sua importância para o desenvolvimento do negócio. E que são chinesas.
No top-10 de marcas com melhor reputação no mercado chinês quatro são chinesas, considerando as 20 primeiras contamos 10 nacionais! E trata-se de reputação (o Reputation Institute analisa as marcas com base em performance, produtos & serviços, inovação, local de trabalho, governance, cidadania e liderança), não apenas visibilidade que um bom budget – e há muitos bons budgets quando a missão é conquistar o mercado chinês – pode conseguir comprar. A Nike não aparece nos primeiros cinquenta lugares desta lista.
Já no ranking financeiro do Brand Finance a primeira marca chinesa surge no nono lugar, numa classificação liderada pela Amazon, seguida da Apple e Google, Samsung e Facebook, AT&T, Microsoft, Verizon e Walmart. Depois então surge o ICBC, Industrial and Commercial Bank of China, seguido do China Construction Bank, Alibaba e China Mobile. Seis das vinte marcas mais valiosas são chinesas e só os americanos têm mais (9). Europeias só a BMW.
Rankings há muitos e com mais ou menos hegemonia as marcas chinesas adquirem uma importância crescente, afirmando-se como umas das mais importantes, valiosas e relevantes do mundo. E, aos olhos dos ocidentais, carregando a herança e tradição chinesas como as europeias e americanas já não conseguem fazer, salvo raras exceções.
Quero com isto dizer que a marca chinesa tem hoje um valor muito diferente daquele que se lhe atribui quando lemos ‘Made in China’ colado num carrinho de brincar. A China fábrica do mundo é também o país da Huawei e da Xiaomi, marcas inovadoras, sofisticadas, que aportam valores aos seus compradores que vão muito além do bom negócio e que, atrevo dizer, obrigam a questionar os limites da lealdade a uma marca: justifica-se assim tanto o preço pelo estatuto Apple ou Samsung? Se a evidência é por demais evidente…
Um país, dois sistemas. Se calhar é desta forma que devemos tentar perceber as marcas chinesas. A Huawei e Xiaomi fazem um percurso que nada tem a ver com uma loja dos trezentos (lembram-se?), assente na qualidade do produto, experiência do utilizador e posicionamento aspiracional. Na China, que importa marcas de luxo a um ritmo nunca visto, são as marcas chinesas que estabelecem as relações mais fortes, mais emocionais com as pessoas. Se a China consegue replicar este posicionamento à escala global, o que é que as outras marcas têm para oferecer?
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media