“Temos todo o direito de estar com medo. Se os americanos retirarem e nos deixarem à mercê dos turcos ou do regime [sírio], o nosso destino será como o dos curdos do Curdistão Iraquiano em 1991. Nem o regime, nem o Irão, nem a Turquia aceitam a nossa presença aqui.” O jornalista curdo Arin Sheiknos reagia desta forma, em declarações à AP, ao anúncio feito por Donald Trump da retirada imediata das tropas americanas da Síria, uma ideia que passa pela cabeça de muitos curdos.
Para as Forças Democráticas da Síria (SDF, na sigla em inglês), um grupo de curdos e árabes criado pelos EUA para combater o Estado Islâmico (EI), estamos perante uma “flagrante traição” por parte do presidente dos Estados Unidos. “A guerra contra o EI não acabou e o EI não foi derrotado”, sublinhou o SDF em comunicado, citado pelo “The Guardian”.
A ordem dada pelo líder da Casa Branca de retirada imediata e total das forças norte-americanas da Síria apanhou de surpresa muita gente, inclusive no governo e forças armadas dos EUA. Até porque ninguém acredita que o trabalho esteja feito.
“A grande mentira de Donald Trump sobre a Síria voltará para atormentar a América”, escrevia ontem David Rothkopf na sua coluna de opinião no diário israelita “Haaretz”.
Trump escreveu no Twitter uma única frase que desestabilizou interna e externamente e só foi bem recebida por Rússia e Turquia (e o Irão e o regime sírio): “Derrotamos o EI na Síria, a minha única razão para lá estarmos durante a Presidência Trump”.
“Para além da bizarra personalização do anúncio (é sobre ele e não sobre o país), não é só inconsistente com a visão da sua equipa, como está baseada numa mentira. O EI não está derrotado. Ainda está ativo no Norte da Síria e não há dúvida que a retirada das tropas dos EUA poderá até criar condições para que volte a ganhar força”, explica Rothkopf.
A surpreendente afirmação de Trump, contrária ao que os seus próprios conselheiros lhe têm dito, levou muitos analistas a relacionar a sua decisão com a conversa telefónica que manteve com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, antes do anúncio. A tal ponto que na quinta-feira, um membro da Casa Branca, que não quis ser identificado, garantiu aos jornalistas que o líder da Casa Branca não tinha sido influenciado: “O presidente tomou a sua própria decisão. Não foi algo que tenha conversado com o presidente Erdogan. Ele informou o presidente Erdogan da sua decisão”.
A mesma fonte referiu que as bolsas de resistência do EI podem ser combatidas pelas forças no terreno. Mas o que os curdos temem é que sem as tropas americanas, venham a ser eles dizimados junto com o que resta do EI.