Espanha está a virar novamente à direita. Já lá vai o tempo em que a esquerda conquistava terreno nas ruas e nas urnas no pós-crise financeira. Agora, um partido de extrema-direita, o Vox, surpreendeu tudo e todos ao irromper pela política espanhola ganhando 12 assentos no parlamento da Andaluzia. Alterou a aritmética política na comunidade autónoma e promete fazer o mesmo na política nacional, favorecendo a direita, ao dar-lhe uma possível maioria absoluta nas próximas eleições legislativas. Isto, se as lideranças do PP e Ciudadanos aceitarem no futuro próximo integrar uma coligação com o Vox ou acertarem um acordo parlamentar.
Se as eleições fossem hoje, Partido Popular, Ciudadanos e Vox somariam 12,2 milhões de votos – ou 51,1% -, segundo uma sondagem desta semana do jornal La Razón. Nas últimas eleições legislativas, em junho de 2016, a direita espanhola tinha-se ficado pelos 46,2% dos votos. É a maior mobilização eleitoral da história da Espanha pós-franquismo, ultrapassando as duas maiorias absolutas alcançadas pelo PP: a de 10,3 milhões de votos, em 2000, e a de 10,9 milhões, em 2011.
O PP, desgastado por anos de austeridade, pela crise independentista catalã e escândalos de corrupção, desceu dos 33% dos votos obtidos nas últimas eleições para os 24,4%, enquanto o Ciudadanos beneficia dessa queda: sobe dos 13,3% para os 18%. No entanto, a grande novidade é o Vox, ao conquistar o eleitorado mais à direita desiludido com o PP , e que se pode estrear no Parlamento nacional com 11 a 14 deputados. A perda de votos do PP é proporcional aos ganhos do Ciudadanos e Vox, acirrando mesmo a disputa pela liderança da direita em Espanha – como se está a ver na Andaluzia – algo que não parecia possível até agora, tendo em conta a hegemonia do PP no campo da direita desde os anos 1990.
Depois da crise do referendo na Catalunha e formação do Governo socialista de Pedro Sánchez, que governa com o apoio parlamentar do Unidos Podemos e dos partidos independentistas catalães e dos nacionalistas bascos, que a direita espanhola se tem radicalizado. A deriva mais autoritária e neoconservadora é tanto produto do combate pela liderança política como pela radicalização do eleitorado de direita no país. Criado em 2005 na Catalunha, o Ciudadanos emergiu na arena nacional em 2013 e desde essa altura que tem colocado em causa a hegemonia do PP, a que se junta agora o Vox.
Neste combate, estas três forças políticas têm optado por diferentes estratégias. O PP elegeu um novo e jovem líder, Pablo Casado, e recuperou a noção de construção de um partido da direita conservadora amplo para a classe média, com o seu programa a colocar-se no centro liberal e a estender-se até à extrema-direita. Em termos discursivos, Casado tenta recuperar eleitores criticando os independentismos e, por exemplo, os direitos das mulheres ao defender a revogação da lei do aborto – proposta partilhada pelo Vox.
Já o Ciudadanos, que desde sempre dizia não ser «nem vermelho nem azul», mudou o seu posicionamento a favor de uma visão de uma «Espanha sem complexos», realçando o combate aos independentismos e colando-se ao PP, roubando-lhe eleitorado. O Ciudadanos é europeísta e defende uma economia liberal.
Por sua vez, o Vox, partido criado em 2013 por um antigo dirigente do PP, assume sem receios ser saudosista do franquismo, defendendo o fim da Espanha autonómica, a criação de muros contra a migração e destacando causas conservadoras como pilares do seu discurso político. Em público, os seus dirigentes afirmam-se «antiesquerda» e «anti-Podemos». O crescimento do partido foi incentivado pelo independentismo catalão, pela ‘geringonça’ espanhola e pela decisão do Governo de mandar exumar os restos mortais do ditador Francisco Franco do monumento do Vale dos Caídos.
A competição não impede estas três forças políticas de cooperar, principalmente se do outro lado da barricada estiver o PSOE ou o Podemos. É perante a perspetiva de uma nova maioria absoluta de direita que a formação do governo andaluz (ver texto ao lado) está a ser encarado como ensaio para um futuro governo composto pelas três forças ou pelo menos um que integre o PP e Ciudadanos e conte com o apoio parlamentar do Vox. Se tal vier a acontecer, o partido de extrema-direita será legitimado na arena política. A sua narrativa e propostas que abrem e acentuando clivagens na sociedade espanhola, como por exemplo na questão da imigração, ganharão peso. Na atual tendência europeia de ascensão da extrema-direita.
Esquerda em queda
Desde o Palácio da Moncloa, o presidente do Governo vai assistindo à queda da esquerda e ao fracasso da sua expectativa de que o efeito da governação poderia trazer em matérias de apoio político aos socialistas e à esquerda. Se é certo que os 24,8%, da sondagem do La Razón representam uma subida aos 22,6% que obtiveram nas urnas em 2016, é uma subida pequena demais para as pretensões. Até porque o Unidos Podemos cai 4% nas intenções de voto, ficando-se pelos 17,1%, À entrada de um ano eleitoral, com legislativas, europeias e autárquicas, não é boa notícia para a esquerda.