Ainda não chegou o dia 24 de dezembro, mas já estamos em tempo de Natal. Todo o ‘ruído’ à nossa volta vem lembrar-nos que nos aproximamos da grande festa do nascimento de Jesus – acontecimento que não deixa ninguém indiferente, crentes ou não crentes, considerando-se universalmente esta época como de paz, solidariedade e amor.
As crianças veem no Natal a chegada do Menino Jesus (para alguns, o Pai Natal), que desce pelas chaminés dos nossos lares carregado de presentes por elas pedidos com antecedência, e que lhes são oferecidos em função do bom comportamento ao longo do ano.
E para nós, adultos, que significado tem o Natal? Como o vivemos? Qual o nosso comportamento? A história real que vou contar é bem elucidativa e passou-se recentemente no meu gabinete do centro de saúde.
Uma jovem avó de mão dada com o neto veio à consulta no contexto da rotina habitual. Logo à entrada, preveniu-me de que tinha alguns pedidos para me fazer – e, quando se preparava para os apresentar, o neto (ainda de tenra idade) interrompeu-a e passou para o lado de cá da secretária até chegar junto a mim.
Eis senão quando me perguntou, com a ingenuidade própria de uma criança: «Já escreveste a carta ao Menino Jesus?». Apanhado de surpresa, hesitei na resposta a dar. Se lhe respondesse que sim, não estava a dizer a verdade; se dissesse que não, tirava-lhe toda a magia do Natal.
Optei por ‘dar a volta à situação’, respondendo-lhe com uma pergunta: «Olha lá, já pensaste na prenda que vais tu dar ao Menino Jesus?». A criança ficou a olhar para mim sem dizer nada, o que me permitiu continuar: «Quando fazes anos não recebes prendas?». Movendo a cabeça em sinal afirmativo, ouviu em silêncio a minha conclusão: «Então, como é Ele que faz anos, devemos ser nós a dar prendas a Ele, não achas?». Enquanto conversávamos, a avó sorria – mas percebia-se que estava ansiosa por começar a fazer os seus pedidos, como acontece quando entramos num estabelecimento onde nos vamos abastecer.
Tem sido sempre assim ao longo da História. A arte de pedir parece ter nascido connosco, e de nada adianta fingir que a ignoramos.
Nas mais variadas situações, já ninguém passa sem um pedidozinho feito mais ou menos camufladamente. Em certos setores da sociedade, os pedidos até têm um nome muito próprio – ‘cunhas’ -, isto é, favores que se pedem para obter determinados benefícios, sejam eles na escola, no trabalho, na política, e sempre que há concursos e a competição está presente.
Na saúde, como repetidamente tenho vindo a denunciar, os já tão falados ‘pedidos’ vieram mesmo para ficar – e já não é novidade para ninguém que a maioria dos doentes vem às consultas não para ouvir o parecer do médico assistente mas essencialmente para pedir aquilo de que julga necessitar, como um direito que lhe é devido, a maior parte das vezes sem qualquer justificação clínica.
A explicação para este procedimento está no acesso fácil às ‘internetes’, na assistência a certos programas televisivos da tarde (que geram enorme confusão no espírito das pessoas) e nos convites descarados à automedicação, que pegaram de estaca nesta sociedade de consumo, onde quem manda é o dinheiro!
É fundamental que nós, médicos (tanto os mais antigos, como os mais novos), saibamos esclarecer devidamente os nossos pacientes, ajudando-os a perceber o que está em causa e orientando-os no sentido mais correto. É a nossa principal missão e o maior desafio colocado aos profissionais.
E por estarmos na quadra natalícia, o convite que hoje faço a todos é ultrapassarmos naturais e legítimas divergências – e darmos as mãos, num gesto de solidariedade, fraternidade e amor, de que tanto precisamos.
Acolhamos o Menino Jesus que vem ao nosso encontro. Será a melhor prenda de Natal que podemos receber. O pedido que Lhe faço é apenas este: que possa continuar a haver sempre Natal no coração de todos nós!
Dialogando com uma criança, perguntei-lhe: «Sendo o Menino Jesus quem faz anos, devemos ser nós a dar-Lhe prendas, não achas?»