O Presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, que amanhã toma posse do cargo sob fortes medidas de segurança, que incluem mísseis antiaéreos, anunciou que vai liberalizar o porte e o registo de armas de fogo através de um decreto presidencial. A medida foi anunciada pelo presidente através da sua conta no Twitter – “por decreto pretendemos garantir a posse de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registo definitivo” – e o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, quer que seja posta em prática nos primeiros 100 dias do governo.
Num país com o maior número de mortes violentas no mundo, que bateu recordes em 2017 com 63.880 mortes violentas, representando 175 pessoas assassinadas por dia, a ideia de dar ao cidadão comum a possibilidade de se defender da violência com a sua própria arma foi defendida pelo presidente eleito durante a campanha e bem recebida pelas elites do país.
No entanto, a medida está longe de ser consensual e a sua eficácia no combate à violência é questionada por especialistas. Os estudos afirmam precisamente o contrário, como refere ao site UOL José Vicente da Silva Filho, antigo secretário nacional da Segurança Pública no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. “Há pesquisas no Brasil que mostram que 70% das pessoas armadas são baleadas em situações de assalto: ou porque tentam reagir, ou porque simplesmente, ao ver a arma, o bandido percebe que se trata de alguém disposto ao enfrentamento”, refere Silva Filho, coronel da Política Militar na reserva.
Para o especialista, a decisão do executivo de Bolsonaro é um “erro grosseiro” que vai aumentar exponencialmente o risco do cidadão armado de ser vítima da violência.
Atualmente, no Brasil, para se ter uma arma, as pessoas têm de ter mais de 25 anos, possuir capacidade de manuseio da arma, sanidade mental e obter uma autorização da Polícia Federal, escrevendo uma declaração a explicar a razão para necessitar da mesma. A polícia só concede a licença de porte se aceitar os argumentos como válidos. E em muitos casos aceita, tendo em conta que o porte de arma no Brasil aumentou 280% entre 2009 e 2017, chegando a 33 mil licenças.
Desde o seu anúncio, Bolsonaro já veio ajustá-lo mais às regras vigentes, clarificando que o executivo tratará da extensão temporal dos registos, enquanto caberá ao Congresso “outras formas de aperfeiçoamento” da legislação. Ao mesmo tempo, o general Augusto Heleno, escolhido para liderar o Gabinete de Segurança Institucional do novo governo, veio acrescentar que as atuais exigências previstas pela lei se irão manter, nomeadamente que o solicitante da licença não possua antecedentes criminais: “É preciso ter ficha limpa”, disse o general.
A ideia de a licença de posse de arma ser definitiva, como escreveu o chefe de Estado, também deixou muita gente apreensiva. “É como dizer que nunca mais se vai precisar de prestar contas ao Estado sobre aquela arma”, referiu o diretor do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, ao UOL. E se a sanidade mental se deteriorar? E se resolver vender a arma? E se, entretanto, se tornar criminoso?