Michelle Bolsonaro quebrou o protocolo e discursou antes do presidente, em linguagem gestual, mas o seu vestido fazia lembrar o de Melania Trump na tomada de posse do presidente dos Estados Unidos e o discurso de Jair Bolsonaro assemelhava-se ao do seu ídolo Trump, afirmando-se não ideológico, mas sendo absolutamente ideológico: “É com humildade e honra que me dirijo a todos vocês como presidente do Brasil. E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, se libertar da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”. Até não faltou, tal como com Trump, uma polémica à volta da quantidade de pessoas presentes. As informações que circulavam em Brasília davam conta de um número entre 250 mil e 500 mil pessoas, afinal, os números oficiais do Gabinete de Segurança Internacional falam em 115 mil pessoas. Mais do que Dilma Rousseff, mas inferior a Lula da Silva.
Quem estava à espera de um acalmar de ânimos, um discurso mais moderado e inclusivo agora que a campanha acabou e se torna mesmo presidente do Brasil, ouviu um Bolsonaro a falar mais para as massas que o elegeram: “Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de género, conservando nossos valores. O Brasil voltará a ser um país livre das amarras ideológicas.”
Como escreve Juan Arias, na edição brasileira do “El País”, “é como afirmar que aqueles que defendem, em seu direito democrático, os valores que não são os da extrema direita, não cabem mais no Brasil”. Por isso, o novo presidente, “em vez de unir o país em uma esperança comum de convivência, ele o arrasta e incita a continuar não apenas dividido, mas a abrir uma guerra ideológica mais perigosa do que a que tenta combater”.
Desde Washington, Donald Trump foi rápido a reagir no Twitter, saudando Bolsonaro pelo seu “grande discurso de posse”, acrescentando um “os EUA estão contigo!” Mensagem que o presidente brasileiro se apressou a agradecer: “Juntos, com a proteção de Deus, traremos mais prosperidade e progresso a nossos povos”.
O novo ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, garantiu esta quarta-feira que o Brasil e os EUA iniciam uma nova etapa nas relações, como aliás deixou claro na reunião com o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, com quem se reuniu em Brasília.
“Estamos no começo de uma nova fase que será muito produtiva, tenho certeza, na relação entre Brasil e Estados Unidos”, afirmou Araújo. “Aproveitando muito trabalho que já foi feito, mas criando uma dimensão muito mais intensa na nossa relação”. Nas suas primeiras declarações como chefe da diplomacia brasileira, Araújo sublinhou que ele e Pompeo trocaram ideias sobre “como trabalhar juntos pelo bem, por uma ordem internacional diferente, que corresponda aos valores dos nossos povos”.
Se Trump não esteve presente na tomada de posse, para tristeza do novo chefe de Estado, a lista de presenças e de ausências na cerimónia da tomada de posse em Brasília, também serve de perceção sobre o futuro das relações entre este novo Brasil e o mundo. Sebastiãn Piñera, o presidente chileno de direita lá estava, mas faltava Mauricio Macri, outro homem da direita com quem Bolsonaro gostava de realinhar uma nova aliança latino-americana, só que o presidente argentino torce o nariz ao esvaziamento do Mercosul que o seu homólogo brasileiro pretende. Também estava Evo Morales, o presidente boliviano que, apesar de ser de esquerda, precisa de negociar a venda de gás boliviano com o novo mandatário.
Por falar em negócios, o alinhamento do Brasil com Israel, a possibilidade de Bolsonaro também mudar a embaixada para Jerusalém, seguindo o exemplo dos EUA, fez com que Benjamin Netanyahu passasse cinco dias no país em contactos de alto nível. O primeiro-ministro israelita até deu uma entrevista à Record, a televisão oficial do governo Bolsonaro, onde falou nos dois países como irmãos. Um alinhamento que pode custar caro a Bolsonaro e levantar muitos problemas: 32 milhões de brasileiros têm ascendência árabe, fruto de uma aliança tácita com o Médio Oriente desde a viagem do imperador Dom Pedro ao Líbano em 1870. Mas, mais importante, numa altura em que a diplomacia se tornou muito mais económica que política, o mundo árabe e o Irão são grandes compradores de produtos pecuários em geral e de carne de frango em particular. Ao contrário de Israel, que pretende vender mais do que comprar.
Para já, o clima de desconfiança ou de esperar para ver reina em termos internacionais. Segundo “O Estado de São Paulo”, estiveram presentes 46 delegações na tomada de posse, um número substancialmente inferior que as 130 na tomada de posse de Dilma Rousseff, 110 com Lula e 120 com Fernando Henrique Cardoso.