Um dos nomes mais conhecidos do meio tauromáquico, no qual se estreou em 1969, com 13 anos, o cavaleiro Joaquim Bastinhas morreu na segunda-feira, último dia de 2018. Joaquim Bastinhas estava há dois meses internado no hospital da Cruz Vermelha, onde tinha entrado com um pólipo nos intestinos. Depois da cirurgia sofreu várias complicações e foi internato nos Cuidados Intensivos, onde foi colocado em coma induzido. Ainda saiu do estado comatoso mas acabou por ter uma recaída e não resistiu a uma infeção hospitalar. Tinha 62 anos.
Já antes tinha ludibriado a morte. Há três anos, em setembro de 2015, foi atropelado por uma máquina agrícola na Herdade das Argamassas, em Elvas, e esteve em risco de vida. A recuperação das lesões foi lenta e o regresso às praças só se deu em junho do ano passado, na Figueira da Foz. Ao Diário de Notícias, a propósito do seu regresso, falou na «emoção de ter vencido uma etapa difícil da minha vida e poder voltar a fazer aquilo de que mais gosto: tourear». Ainda toureou mais uma vez antes de ser internado, no Coliseu Comendador Rondão de Almeida, em Elvas.
Ontem, o Parlamento aprovou, por maioria, um voto de pesar pela sua morte. O voto, proposto pelo PS e ao qual se associaram o PSD e o CDS, referia-se a Joaquim Bastinhas como o «toureiro do povo» e ressalvava que «França, México, Venezuela, Grécia, ou Macau, para além de Portugal e Espanha, vibraram, com o mágico momento do ‘par de bandarilhas’ que Joaquim Bastinhas, como nenhum outro, celebrizou e eternizou na memória coletiva». Segundo o texto que acompanhava o voto, «a empatia que gerava com as bancadas, a alegria que transmitia em cada um dos momentos e a forma como chegava aos milhares de pessoas que o seguiam, notabilizou-o de forma ímpar». O PAN votou contra e Bloco de Esquerda, PEV e o deputado Paulo Trigo Pereira abstiveram-se.
O funeral realizou-se na quarta-feira, dia 2 de janeiro, em Elvas, cidade que o viu nascer.
Joaquim Manuel Carvalho Tenório nasceu na cidade raiana a 8 de março de 1956. Herdou o apelido pelo qual acabou por ficar conhecido do pai, Sebastião Tenório, cavaleiro amador e aficionado, que tinha Bastinhas por alcunha. O nome, que já vinha dos tempos do seu avô Matias, colou-se aos Tenório e, no caso de Joaquim, desde bem cedo se tornou no seu ‘principal’ apelido.
Segundo o site oficial, que reúne informações sobre a sua vida, Joaquim Bastinhas começou a montar aos cinco anos, «vindo a acompanhar pouco tempo depois o seu pai, nas voltas pelo Monte e nas batidas às lebres com galgos, dos quais se tornou adepto». Depois da sua estreia no Campo Pequeno, em fevereiro de 1969 – numa corrida enquadrada nos festejos de Carnaval – não mais deixou as praças. Ainda foi estudar para a escola Agrícola em Évora, que não concluiu para perseguir o sonho de ser toureiro. Começou pelas praças mais próximas de casa, nos festejos populares da região e também do outro lado da fronteiras, «em muitas praças de ‘pueblo’ da Estremadura espanhola». Contou sempre com o pai, que «vê nele o toureiro que ele próprio não pôde ser». É durante este período que o jeito e a sua personalidade alegre, sempre de sorriso no rosto, lhe trazem cada vez mais popularidade junto do povo e notoriedade entre os pares.
Foi em Vila Viçosa, em 1979, que prestou as provas para ser cavaleiro praticante, ao lado de David Ribeiro Telles, Sommer de Andrade, João Telles e António Telles. Recebe a alternativa das mãos do seu «ídolo de sempre», José Mestre Baptista, a 15 de maio de 1983, em Évora, tendo como testemunha João Moura. Fará a confirmação da alternativa pouco depois, a 14 de julho de 1984, no Campo Pequeno, tendo como padrinho João Ribeiro Telles e testemunha Paulo Caetano.
A partir daí correu uma infinitude de praças dentro e fora de portas: Monumental de Las Ventas de Madrid, para citar uma das tantas praças espanholas por onde passou; Nîmes, no Sul de França; Mazátlan ou Aguascalientes, no México; Mérida, na Venezuela; ou Gustine, Stevinson e Turlock, na Califórnia. Em 1989 chegou mesmo a atuar na na Grécia com António Telles, Carlos Miguel e o matador de toiros António Posada. Em 1986, toureou em Macau durante a entrega do território à República Popular da China. Do cartel constavam ainda António Ribeiro Telles, Rui Salvador, Miguel Fernandes e o matador de toiros Victor Mendes. A cada época que passava a sua popularidade subia e tornou-se, consistentemente, um dos cavaleiros tauromáquicos com mais presenças nas praças.
Nas últimas temporadas, e devido ao acidente que sofreu na sua propriedade, estava afastado das lides mas, ainda assim, 2018 teve dois momentos altos. O primeiro foi a comemoração dos seus 35 anos de alternativa, a 15 de maio, no Campo Pequeno. E o segundo foi o referido regresso às lides, em julho, na Figueira da Foz.
O site Touro e Ouro destaca ainda que Joaquim Bastinhas foi «o ginete que mais alternativas concedeu, um total de 24», a cavaleiros como «Ana Batista, Tito Semedo, João Carlos Pamplona e Tiago Pamplona, Gastón Santos, Tiago Carreiras e claro, o seu filho, Marcos Bastinhas, esta última no ano 2008». Um feito a que o cavaleiro de Elvas se referia deste modo: «Todos devem ter a oportunidade de concretizar os seus sonhos. Para um toureiro, o dia mais ambicionado da sua carreira é chegar a essa data. Se o caminho até aí não é fácil, depois há que ter valor, arte, ambição e muita dedicação pela profissão. Só assim poderá singrar na profissão e dar continuidade à sua carreira nas arenas».
Joaquim Bastinhas era casado há mais de 35 anos com Helena Maria Gonçalves Nabeiro Tenório, filha do comendador Rui Nabeiro, e pai de Marcos Tenório e do primeiro filho da sua mulher, Ivan Nabeiro. Tinha ainda duas netas, Clara, de quatro anos, e Alice, de ano e meio, filhas de Marcos e de Dália Madruga, antiga apresentadora da RTP.
Marcos, também cavaleiro, explicava em 2015 à revista Caras por que não tinha adotado o sobrenome do pai: «Nunca há fotocópias melhores do que os originais».
Conhecido entre os mais próximos por Joaquim Manel, muitos foram os que, na hora da despedida, acompanharam as cerimónias fúnebres. O apresentador da RTP Fernando Mendes foi um deles. O corpo do cavaleiro tauromáquico foi sepultado no cemitério da cidade raiana junto ao do seu pai.
Já nas redes sociais, o também apresentador Nuno Graciano deixou uma mensagem de despedida. «Parte um bom amigo. Sempre tive com o Joaquim Bastinhas uma relação muito próxima, de amizade até. Muitas gargalhadas partilhadas, muitas cumplicidades confidenciadas. Um homem de caráter forte (como gosto) mas com um coração de oiro. Várias foram as situações que partilhámos onde mostrou o seu altruísmo em prol dos demais. Homem de família. Tinha pelo seu sogro, Comendador Nabeiro, um respeito ímpar, pela sua mulher e filhos um amor incondicional».
Miguel Alvarenga, amigo de Joaquim de Bastinhas e aficionado, foi outra das figuras que homenagearam o cavaleiro tauromáquico, o «mais popular, o mais querido», na hora da sua partida prematura. Miguel Alvarenga, que, apesar de lamentar não ter tido tempo para um «breve adeus» nem para um «último sorriso», ressalva que «ao menos» Joaquim Bastinhas não morreu sem voltar a tourear. «Superaste todas as mazelas do estúpido acidente de há três anos. Voltaste a tourear, ao menos não morreste sem voltar a tourear. Na Figueira e em Elvas voltaste a ser a tal força, a força indomável que move montanhas e por isso mesmo nunca nenhum outro toureiro fizera tanta falta à Festa como tu. Tinhas programado mais corridas para este ano, tinha ficado acertada a reaparição no Campo Pequeno, tantos sonhos, tanta ilusão que alimentavas para 2019 e de repente acaba assim tudo».
E conta como, ao princípio, o cavaleiro foi até ‘gozado’. «Foste um lutador. Ainda me lembro, no princípio, e tu lembras-te melhor que eu, quando diziam que Bastinhas era nome de artista cómico. E tu, indiferente a essas coisas, te forte afirmando, foste subindo os degraus, tarde após tarde, subindo a pulso a escadaria da fama e da glória, até te reconhecerem como primeira figura, mal entravas na arena já as palmas se ouviam, nenhum era igual a ti e por isso mesmo marcaste a diferença e foste único».
Entretanto, e para lá do seu voto de pesar da Assembleia da República, é provável que a memória do cavaleiro tauromáquico persista de uma forma mais palpável: o empresário José Boto, amigo de infância do cavaleiro tauromáquico, já assumiu a liderança de um movimento que pede que o Coliseu de Elvas, a praça da sua terra Natal e a última em que subiu ao cavalo, seja rebatizada com o nome Joaquim Bastinhas. Uma petição que conta com o apoio de muitos elvenses. «Impõe-se agora que a Câmara de Elvas preste a devida e merecida homenagem ao grande toureio rebatizando o Coliseu com o seu nome. Tem muito mais lógica e faz muito mais sentido», afirmaram ao site Farpas vários aficionados locais.