O governo dos Estados Unidos desceu o nível diplomático da embaixada da União Europeia no país e não avisou a representação diplomática, em mais um episódio do mau relacionamento entre Washington e Bruxelas desde que Donald Trump assumiu o poder, em 2016.
Os funcionários da embaixada da UE nos EUA tinham percebido que algo se estava a passar porque o embaixador David O’Sullivan tinha deixado de ser convidado para determinados eventos, confirmando essa perceção a 5 de dezembro, nas cerimónias fúnebres do presidente George H. W. Bush. Nesse dia, O’Sullivan foi nomeado não pela ordem habitual do protocolo diplomático, de quem é há mais tempo embaixador até quem é há menos, mas em último. Os organizadores confirmaram, depois, à missão diplomática que o seu estatuto passara do nível de Estado para o de organização internacional.
“Não sabemos quando isso aconteceu porque, convenientemente, esqueceram-se de nos notificar”, disse à Deutsche Welle (DW) um alto funcionário da UE conhecedor do assunto. “Posso confirmar que isso não foi bem recebido por Bruxelas”, acrescentou.
Os serviços diplomáticos da UE em Washington calculam que a mudança de estatuto terá acontecido no final de outubro, princípio de novembro.
A UE confirmou ontem que estava em conversações com Washington sobre a questão: “Apercebemo-nos de que houve recentemente uma mudança na forma como a precedência diplomática é implementada pelo protocolo dos EUA”, disse a porta-voz do serviço diplomático da UE, Maja Kocijancic. “Estamos a conversar com os serviços pertinentes da administração sobre as possíveis implicações para a delegação da UE em Washington”, acrescentou.
Altos funcionários em Bruxelas disseram à DW que, em termos de protocolo, o estatuto diplomático do embaixador em Washington, David O’Sullivan, foi entretanto restabelecido. Um diplomata de um Estado-membro da UE em Washington disse não se estar perante um mero “assunto de protocolo”, mas perante algo com “um motivo obviamente político”. Mesmo que os serviços de protocolo digam que se trata só de uma decisão do chefe de protocolo e que houve apenas um esquecimento na questão do aviso.
O estatuto da missão diplomática da UE nos EUA foi alvo de intensas negociações durante a administração de Barack Obama. Em setembro de 2016, o Departamento de Estado acabou por acordar colocá-la no nível de nação. Bruxelas espera agora que o estatuto se mantenha inalterado, ou, como diz, Kocijancic, que “a prática diplomática estabelecida há alguns anos se mantenha”.
O “New York Times” explicava ontem que, depois do protesto de Bruxelas e de conversações com o Departamento de Estado, o estatuto da missão diplomática e do embaixador tinham sido restabelecidos, pelo menos temporariamente.
Multilateralismo
Donald Trump não acredita no multilateralismo e tem mantido, desde que chegou ao poder, relações difíceis com organizações supranacionais, nomeadamente com a UE, a quem já chegou a classificar como “o pior inimigo” dos EUA. “A União Europeia foi formada para se aproveitarem de nós em termos comerciais e é isso que têm feito”, explicou o presidente norte-americano.
A 4 de dezembro, o secretário de Estado, Mike Pompeo, foi a Bruxelas para questionar em discurso o valor de organizações multilaterais como as Nações Unidas e a própria UE.
“Estará a UE a assegurar que os interesses dos seus países e cidadãos estão acima dos interesses dos burocratas aqui em Bruxelas?”, perguntou de forma provocadora o chefe da diplomacia norte-americana. “Os organismos internacionais devem facilitar a cooperação que reforce a segurança e os valores do mundo livre, caso contrário devem ser reformados ou eliminados”, acrescentou Pompeo, que considerou o Brexit como uma “chamada de atenção política” sobre a situação atual da UE.
“A descida de nível simboliza o desprezo que o presidente dos EUA demonstra pela UE e a sua natureza supranacionalista”, explica Daniela Schwarzer, diretora do Conselho Alemão de Negócios Estrangeiros, em Berlim. “Ao contrário das administrações americanas anteriores, a administração Trump tentou ativamente minar a unidade da UE, na política comercial, por exemplo, que é uma competência supranacional da UE”, acrescentou. E na medida em que a UE procurar fortalecer o seu papel internacional, considerá–la apenas como uma organização internacional e não mais do que isso é a forma de os EUA contrariarem esses esforços.