«A vida é o que acontece enquanto fazemos planos»

Esta frase, que encontrei em Coimbra, perto da universidade, diz: «A vida é o que acontece enquanto fazemos planos», uma conhecida reflexão de John Lennon.

E, muitas vezes, distraímo-nos a fazer planos e estamos tão centrados neles que nem nos apercebemos daquilo que realmente acontece. Porque a vida acontece, efetivamente, mesmo quando estamos distraídos. A vida é o conjunto de momentos bons, maus ou neutros que vamos vivendo ao longo da nossa existência, estando acordados, a dormir ou a sonhar com o que poderia estar a acontecer.

Muitas vezes distraímo-nos a sonhar e a fazer planos. Sonhamos com o que gostaríamos de ter ou de fazer, definimos um rumo e tentamos que a vida siga o plano traçado. Como diz António Carlos Cortez, recentemente distinguido com o Grande Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes: «Quando não esperas nada / tudo acontece // Quando não esperas nada / o nada é certo // (…) Quando não esperas nada / (…) recebes / lição de um nada em tudo / e recomeças».

Nem sempre as coisas acontecem como gostaríamos e, muitas vezes, o que nos acontece é muito diferente daquilo que tínhamos planeado. Nesses momentos ficamos reféns dos nossos pensamentos, ficamos presos ao que sonhámos e àquilo que gostaríamos que nos acontecesse. E, então, somos incapazes de reagir, de nos levantar e fazer face às contrariedades. Ou, então, se aquilo que acontece nos agrada, ficamos tão contentes que nos distraímos dos sonhos e, por vezes, até mudamos esses sonhos devido ao que sucedeu. Diz João Reis, em A Devastação do Silêncio: «Fazemos planos e morremos sem recuperar o tempo perdido a fazer planos acerca de como ocupar muito tempo que não chegamos a viver»…

Também é demasiado radical afirmar que não deveríamos fazer planos porque aquilo que a vida nos reserva é sempre diferente. É óbvio que devemos fazer planos para tentar realizar os nossos sonhos. Sem eles a vida não faz sentido, porque, como numa qualquer frágil barcaça, é preciso definir um rumo. O que importa, no entanto, é, depois, sermos capazes de ajustar as velas em função do vento e aceitar os desvios impostos para esse rumo. Do mesmo modo, na vida, importa definir objetivos, mas também sermos capazes de nos adaptarmos às eventuais alterações aos planos que traçamos.

O que o autor desta frase pretende dizer é que não devemos ficar reféns dos nossos planos, a olhar a vida de forma inflexível, mas devemos, antes, aceitar o que acontece enquanto nos tornámos cativos desses planos. Como diz, de forma tão bela, Jorge de Sena: «Deixai que a vida sobre vós repouse / qual como só de vós é consentida / enquanto em vós o que não sois não ouse // erguê-la ao nada a que regressa a vida».

Assim, devemos estar atentos à realidade à nossa volta, devemos estar despertos para os diferentes estímulos com que constantemente somos bombardeados e aos quais, por vezes, não prestamos atenção, exatamente por serem tantos… Importa, pois, por vezes, fazer como o poeta José Miguel Silva, que confessa: «Fecho os olhos para ver melhor».

E, na realidade, por vezes, vê-se melhor de olhos fechados, porque a nossa tendência é medir tudo à luz do que somos e do que conhecemos.

Diz, a propósito, e muito curiosamente, Afonso Cruz sobre Giacomo Leopardi, mas que, no fundo, retrata muitas pessoas: «Quando lemos o que ele escreveu e sobrevivemos, saímos dessa experiência com uma certa felicidade. Os seus pensamentos são tão pessimistas que o mundo, depois de o termos lido, parece belo, sublime e justo. Leopardi, que padecia de várias doenças, além de ser raquítico e marreco do peito e das costas, achava, muito justamente para alguém com as suas características, que “esta vida é triste e infeliz e cada jardim é como um grande hospital: mais deplorável do que um cemitério”. (…) Quando fechamos este livro [de Leopardi] (…), e abrimos uma janela, o que vemos é um dom maravilhoso».

São, pois, as nossas referências e a forma como vemos o mundo que condiciona o nosso olhar e nos distrai da vida que, lá fora e dentro de nós, acontece. E, no fundo, fazer planos é também uma forma de nos expressarmos…

 

Maria Eugénia Leitão