Em maio do ano passado, o Parlamento mantinha guardada numa gaveta a proposta que previa que o Fisco pudesse ter acesso a contas acima de 50 mil euros. Polémica e pouco consensual, a medida teve de esperar até à passada sexta-feira para ser aprovada. Só agora é que passou a lei e prevê que seja levantado o sigilo bancário no caso de residentes que tenham um saldo, num mesmo banco, superior a 50 mil euros.
Cumprido este requisito, o titular da conta vai passar a ver a informação seguir para o Fisco que passará a avaliar se é necessária uma inspeção detalhada aos movimentos da conta em questão. A ideia é que, caso não existam objeções por parte da Presidência da República, o Fisco comece a receber informação de 2017 e 2018 já em julho deste ano. Pretende-se essencialmente fazer comparações de valores e ver a evolução.
Desde 2016, que foi alvo de avanços e recuos. Uns queriam que avançasse, mas houve quem defendesse, como é o caso de Marcelo Rebelo de Sousa, que a banca atravessava um momento atribulado. O argumento era que a nova lei apenas o complicaria ainda mais.
À cabeça dos motivos que justificam o levantamento do sigilo bancário está o combate à evasão fiscal e fraude. A ideia defendida é que passa a ser mais fácil identificar situações de rendimentos não declarações.
Até ao final de julho, a banca terá de fazer os ajustes necessários. As coimas para os bancos que não enviem a informação necessária ao Fisco são pesadas. Falamos de coimas que podem facilmente chegar aos 22 500 euros por caso não reportado. Também estão previstas penalizações para os casos em que a informação é enviada, mas com omissões.
“Os dados servem como desincentivo à ocultação e têm importante função preventiva”, defendeu sempre Mário Centeno.
Offshores dão mote Fevereiro de 2017 contou com ânimos exaltados a propósito da saída de 10 mil milhões de euros para offshores, sem que tenha existido um controlo por parte do Fisco. O tema não era novo e o facto de haver portugueses com milhões de euros em offshores não era novidade, mas fez correr muita tinta.
Aliás, a meio de 2016, por exemplo, ficava esclarecido que os portugueses tinham 69 mil milhões de euros em paraísos fiscais, sendo que 36 mil milhões estavam na Suíça.
Os números faziam parte uma recolha de informação feita por Gabriel Zucman, professor de economia na Universidade da Califórnia, que calculava ainda que 8% da riqueza mundial estivesse em centros offshore. Mais: de acordo com Zucman, 80% do valor não era declarado ou contabilizado.
No fundo, de acordo com o professor, isto significava que se perdiam por ano, em receitas fiscais, cerca de 180 mil milhões de euros. Só na Europa perdiam-se então 71 mil milhões.
O escândalo Panama Papers, por exemplo, acabou por mostrar como é que parte da elite mundial conseguia fugir ao pagamento de impostos. Por esta altura, um professor australiano, Jason Sharman, chegou mesmo a explicar a facilidade com que se conseguia. De acordo com Jason, uma das ferramentas mais importantes era a criação de uma empresa que apenas existisse no papel, ou seja, uma empresa fictícia. O professor australiano sublinhava que bastava criar uma empresa, selecionar um paraíso fiscal e as companhias que se dedicavam à atividade, sendo que tudo podia ser feito online.
No fundo, era desta forma simples que se explicava que um prédio de apenas cinco andares, nas Ilhas Caimão, funcionasse como sede de mais de 10 mil empresas.
A evasão dos gigantes Em 2017, o tema da evasão fiscal voltava a estar na ordem do dia com os ministros das finanças da União Europeia a conseguir, em fevereiro, um pacote de medidas para combater a prática.
Na origem desta necessidade de ajustar a regulação estavam algumas lacunas que permitiram, durante anos, reduzir a fatura fiscal das multinacionais, por exemplo, porque acabavam por poder declarar lucros nos países onde a tributação é muito baixa ou onde simplesmente acabam por não ter nenhuma.
“O acordo alcançado garantirá que as discrepâncias híbridas de todos os tipos não podem ser usados para evitar impostos na UE, mesmo quando os acordos envolvem países terceiros”, explicou, em comunicado, a Comissão Europeia.
A verdade é que este acordo acabou por ser conseguido depois de muita pressão pública, que foi aumentando na sequência do aparecimento de “esquemas” de poupança usados por grande empresas como a Google, a Amazon ou a Apple.