O pretérito 2018 não trouxe grandes novidades na governação cá do burgo: manteve-se o crescimento anémico do PIB, a estagnação económica e o desperdício de uma conjuntura externa muito favorável. Continuámos a perder competitividade em relação a outros parceiros europeus e agravou-se a degradação dos serviços públicos, da saúde à educação, passando pelos transportes, em resultado da conhecida política de cativações, que mais não são do que mero eufemismo para cortes dramáticos no investimento do Estado.
No entanto, 2018 trouxe um dado novo face aos dois anos anteriores da legislatura, que haviam sido de paz social e de uma certa tranquilidade nos diversos setores profissionais, movimentos corporativos e estruturas sindicais. A novidade foi, precisamente, a emergência de focos de contestação, cada vez mais ruidosos e que, particularmente no segundo semestre, produziram uma onda imparável de greves: na justiça (magistrados, funcionários judiciais, guardas prisionais), na saúde (médicos e enfermeiros), noutros serviços do Estado (SEF, Autoridade Tributária, notários e conservatórias) e nos professores, que já anunciam paralisações para 2019.
Este facto assenta em duas causas fundamentais. A primeira resulta de uma perceção, que se está a instalar nos diversos setores de atividade profissional já referidos, de que existe uma inequívoca falta de investimento nas infraestruturas que utilizam. Por outro lado, perceberam rapidamente que o discurso do ‘fim da austeridade’ – agora suavizado na mensagem de Natal do primeiro-ministro com o ‘virar a página dos tempos difíceis’ – não passa de um embuste. O maior embuste político da história da democracia.
Nesta matéria, o Governo está apenas a ser vítima de si próprio e das expectativas por si criadas, quando prometeu um mundo fantasioso de reposição de ‘direitos’ e ‘regalias’ e aquilo que tem para oferecer, na verdade, é uma austeridade sem troika, com uma carga fiscal assente em impostos indiretos e cada vez mais elevados. Acresce a isso o peso dos compromissos não respeitados, como é exemplo a reposição do tempo de serviço dos professores.
A segunda causa deste súbito clamor social está no PCP. O Partido Comunista já percebeu o logro em que se deixou envolver e sabe que isso coloca em jogo a sua própria subsistência política. No fundo, é o instinto de sobrevivência comunista que está a conduzir ao reanimar da ‘rua’.
Com efeito, o PCP, é um partido bastante conservador e resiliente, que foi capaz de ultrapassar as mudanças no mundo ocidental e manter um eleitorado estável ao longo dos anos – ao contrário de outros grandes partidos comunistas europeus, como o francês ou o italiano, que foram reduzidos a insignificâncias políticas.
Essa resiliência assenta, por um lado, no seu peso autárquico e, por outro, na predominância que tem no mundo sindical. Ora, a sustentabilidade que o PCP representa para a atual fórmula de Governo abala fortemente estes pilares. Disso foi prova as últimas eleições autárquicas, onde o partido perdeu 10 câmaras municipais, mas também a inação forçada da central sindical controlada pelo PCP, que resultou numa perda de poder na Autoeuropa e no surgimento de movimentos inorgânicos que não são controláveis pelos sindicatos, mas que também resultam em greves e tensões sociais, como está a acontecer com os enfermeiros.
Posto isto e já olhando para o novo ano, o PCP não se vai eximir de usar o seu braço armado sindical, a CGTP-IN, para insistir neste reforço da conflitualidade social. Os comunistas sabem que essa é a única forma de retirarem a indesejada maioria absoluta ao PS e, ao mesmo tempo, continuarem vivos, política e eleitoralmente.
Pinto Moreira, Presidente da Câmara Municipal de Espinho