Esta é uma declaração forte de liberdade de expressão, tal como todas as frases que vêm ao meu encontro na rua o são. Porém, esta refere-se expressamente ao ato de utilizar a rua como forma de expressão, de divulgação de ideias e ideais.
Apesar de algumas pessoas continuarem a dizer que não havia impedimento à liberdade, porque nunca o sentiram, porque as suas vidas existiam independentemente da realidade maior do País, a verdade é que pintar uma frase na parede seria impensável ou muito arriscado antes do 25 de Abril. Dizer o que se pensava, quando o que se pretendia dizer era contrário às ideias aceites, era quase impossível.
Muitas são, porém, as pessoas que testemunham a falta de liberdade existente então, que relatam os episódios tenebrosos que viveram por pensarem de forma diferente, que guardam memória dos planos não realizados para alterar o estado político do País até ter sido organizado e bem-sucedido o 25 de Abril.
Quem nasceu após essa data, após esse «dia inicial inteiro e limpo» (nas palavras de Sophia), não consegue imaginar o que seria não poder expressar-se, não poder ser ele ou ela próprios. Alguns eram os que fingiam adaptar-se e muitos os que efetivamente viviam sem se aperceberem da falta de liberdade, da tacanhez provinciana de um país de pessoas «orgulhosamente sós», de uma sociedade marcada pelo isolamento rural e pela falsa mundanidade citadina. E, esses que fingiam adaptar-se, vivendo uma «vida errada num país errado», acabavam por se mascarar, por usar «a virtude para comprar o que não tem perdão».
Felizmente, havia os que não se deixavam dominar e eram diferentes, aqueles que, corajosamente, denunciavam a ditadura que realmente existia e a quem devemos a bênção de «emergi[r]mos da noite e do silêncio / E livres habita[r]mos a substância do tempo». É graças a esses e essas que hoje podemos voltar a escrever o que pensamos, mesmo quando pintam de branco aquilo que antes se lia numa parede.
A liberdade de expressão é um direito, protegido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e consagrado na Constituição Portuguesa, no seu Artigo 37º e, por mais que o denunciemos, a verdade é que é um direito real. É claro que todos temos conhecimento de situações em que pessoas com cérebros pequeninos e mesquinhos acabam por fazer valer os seus pequenos poderes para calar vozes incómodas. Mas a exceção apenas confirma a regra.
E esta liberdade, socorrendo de Chateaubriand, «não é uma liberdade primitiva», “filha dos costumes”, mas uma liberdade “filha das luzes” e, como tal, irrequieta, irreverente, atenta à tolerância democrática».
Felizes somos, pois, por podermos reescrever aquilo que alguém quis apagar! Mesmo quando nos tentam empurrar para que saltemos do abismo.