Brexit. Quadratura do círculo

Governo britânico vê-se encurralado entre as vontades dos partidos e a de Bruxelas para encontrar uma solução. 

Reina o caos do outro lado do Canal da Mancha. O Governo de Theresa May vê-se no centro de uma quadratura do círculo e são poucos os que se arriscam a dizer qual o caminho que tomará. Em contrarrelógio, May tem até segunda-feira para apresentar uma solução que agrade tanto ao Parlamento britânico como à União Europeia.  E, independentemente de qual seja, será votada no dia 29 de janeiro.

Por agora, o mais provável é a saída do Reino Unido da UE, agendada para 29 de março, ser adiada por uns meses, porventura até bem depois das eleições europeias de maio. Primeiro, Londres tem de decidir o que quer. 

Uns continuam a preferir uma saída negociada com a UE, outros, um segundo referendo para que o Reino Unido não saia do projeto europeu e outros quantos preferem uma saída desordenada em vez de um mau acordo. Entre a direção do Labour defende-se a queda do Governo e eleições antecipadas. Bruxelas, essa, ora levanta a hipótese de voltar à mesa das negociações ora diz que o melhor acordo já foi escrito. May vê-se pressionada de todos os lados. 

Com o acordo derrotado na Câmara dos Comuns por uma maioria avassaladora – 432 votos contra e 202 a favor -, May pediu reuniões bilaterais aos partidos para, com um «espírito construtivo», se encontrar uma solução consensual no Parlamento.  Um possível cenário passa por pequenas alterações ao acordo, apresentando-o novamente aos deputados. Todavia, poderá ser mais um vez derrotado se os trabalhistas e os conservadores rebeldes se aliarem.

«Tornei-me primeira-ministra imediatamente a seguir ao referendo e acredito que é meu dever corresponder às suas instruções e pretendo fazê-lo», garantiu a líder britânica, afastando a hipótese de um segundo referendo. A saída é, no seu entender, o único caminho possível, ainda que os seus moldes possam ser discutíveis.  Não está disponível para descartar uma saída sem acordo, desordenada, caso o Parlamento e Bruxelas não lhe facilitem a vida. 

Antes de começar o diálogo com os partidos, o Governo de May teve de resistir a uma moção de censura apresentada pelo Partido Trabalhista, liderado por Jeremy Corbyn. Venceu-a por 19 votos por os rebeldes conservadores e os deputados do Partido Unionista Democrático (DUP), o seu parceiro de coligação minoritária, a terem apoiado. A urgência é tão grande que May pediu para as reuniões começarem nessa mesma noite. 

Como exigência para se reunir com o Governo, Corbyn pediu que este garantisse que o cenário sem acordo estava fora de questão, o que a obrigaria a recuar das palavras ditas poucas horas antes. A líder britânica recusou de imediato ao afirmar que era uma «exigência impossível». O Labour não descartou a hipótese de apresentar mais moções de censura. 

Não é o único a fazer exigências que May não consegue garantir, seja pela imprevisibilidade seja por Bruxelas simplesmente as recusar. O DUP quer que a salvaguarda da fronteira entre as duas Irlandas seja alterada, senão mesmo eliminada do acordo. Bruxelas recusou pela voz do negociador-chefe, Michel Barnier: «A salvaguarda que acordámos com o Reino Unido deve permanecer uma salvaguarda, deve permanecer credível».

A UE já avançou com preparativos para o cenário de uma saída desordenada do Reino Unido, porque, como refere Barnier, «nunca o risco de um ‘não acordo’ no Brexit foi tão elevado».

Para evitar saídas dramáticas, Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa e líder do Partido Nacional Escocês, quer que May «abandone ou altere as suas linhas vermelhas» nas negociações, tanto com os partidos, como com Bruxelas, alinhando com Barnier, que já disse que se Londres «escolher fazer evoluir as suas linhas vermelhas» e «ir além de um simples acordo comercial», então a UE «estará imediatamente pronta para acompanhar» esse passo. 

Se a líder britânica ceder à vontade europeia confrontar-se-á com a oposição dos brexiteers conservadores, que preferem a saída desordenada a um mau acordo, e do DUP – o apoio parlamentar dos norte-irlandeses  é imprescindível para a sobrevivência do Executivo. Por fim, os Democratas Liberais e os Verdes querem um segundo referendo. Se este acontecer, o voto pela permanência deverá vencer. 

Num Parlamento dividido, a primeira-ministra não tem para onde se virar à procura de apoio. Há inclusive deputados que querem dar mais poderes ao Parlamento em detrimento do Governo, como o de se votar uma lei que obrigue o Executivo a pedir o adiamento da saída da UE caso não se aprove nenhum acordo. 

À semelhança de May, Corbyn  também está numa posição sensível: se defender um segundo referendo, como parte das suas fileiras exigem há meses, enfrentará demissões dos seus ministros sombra e, se não o defender, o partido pode fragmentar-se. Um segundo referendo apenas será possível se houver uma maioria na Câmara dos Comuns e se May sair da liderança do Governo ou até mesmo se este cair.

Ontem, mais de duas dúzias de políticos – entre os quais a líder da CSU alemã, Annegret Kramp-Karrenbauer – e empresários alemães escreveram uma carta  aberta apelando aos britânicos para não saírem da UE. «O Reino Unido tornou-se uma parte de quem somos como europeus», lê-se, «sentiríamos a falta do Reino Unido como parte da UE, especialmente nestes tempos conturbados. Assim, os britânicos deviam saber: do fundo dos nossos corações, queremos que fiquem».