As questões de segurança dos serviços públicos nacionais são uma constante preocupação, mas as ideias de mudança só surgem quando algo de errado acontece. E aconteceu. No Hospital de Egas Moniz, em Lisboa, o passado domingo foi um dia igual a tantos outros, mas a manhã de segunda-feira não. Uma das enfermeiras do hospital detetou a falta de vários equipamentos médicos e deu o alerta.
No total, foram roubados do hospital – integrado no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (CHLO) – «nove equipamentos de realização de exames de endoscopia/colonoscopia, avaliados entre 45 mil euros e 50 mil euros, cada», informou a Polícia de Segurança Pública (PSP). Ou seja, entre videocolonoscópios, um videoduodenoscópio e um videogastroescópio – material usado em exames pedidos nas consultas de gastroenterelogia – o prejuízo ultrapassa os 400 mil euros. Segundo revelou a PSP ao SOL, «o furto ocorreu na madrugada do dia 14 de janeiro, no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, e foi, de imediato, comunicado pelo Hospital logo que detetado nessa manhã».
A investigação está agora entregue à Divisão de Investigação Criminal do Comando Metropolitano de Lisboa, «sendo que as diligências levadas a cabo na atual investigação encontram-se abrangidas pelo regime do segredo de justiça, não sendo possível, neste momento, adiantar pormenores para não prejudicar os trabalhos investigatórios», refere a PSP.
Na sequência da queixa foi então aberto um inquérito dirigido pelo Ministério Público, no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.
Ao que o SOL apurou, durante esta semana, os funcionários do Hospital de Egas Moniz foram obrigados a abrir os respetivos cacifos onde guardam todos os dias os seus objetos pessoais para que os mesmos fossem revistados, na tentativa de encontrar algum indício do roubo.
No entanto, o SOL sabe que o desaparecimento de material não é totalmente inédito: no ano passado desapareceu uma das duas marquesas de bloco operatório adquiridas pelo Hospital de Egas Moniz. Sobre este assunto, suspeita-se que a marquesa – cujo valor está entre os 15 mil euros e os 25 mil euros – tenha ido para abate, mas por engano, já que poderia estar ao lado de objetos de que a unidade se pretendia desfazer.
Uma questão que não se pode deixar de lado é o impacto que o desaparecimento dos equipamentos médicos terá na realização de exames indispensáveis e cuja lista de espera chega, por vezes, a atingir um ano. Os aparelhos roubados são usados em exames de colonoscopia e endoscopia feitos durante a semana, ou em caso de urgência «para doentes internados» durante sete dias. O exame de colonoscopia, e por recomendação dos médicos, deve ser realizado a partir dos 50 anos e o de endoscopia refere-se à observação das paredes do estômago e início do intestino. De realçar que os dois exame são fundamentais na prevenção contra o cancro.
Tendo em conta que são dos exames que têm uma lista de espera maior, é provável que agora o tempo de espera aumente. Em números, o relatório anual de 2017 do Sistema Nacional de Saúde sobre o «acesso e cuidados de saúde nos estabelecimentos do SNS e entidades convencionadas» revela que «foram efetuadas, em 2017, um total de 243.139 colonoscopias e procedimentos da área da endoscopia gastroenterológica». Além disso, o relatório revela também que «desde 2011 tem sido muito acentuada a evolução do custo médio mensal com colonoscopias e procedimentos, totalizando um valor mensal de 2.962.022 euros» em 2017, representando um aumento de 9% face a 2016. Face a esta pressão, a Administração do Hospital de Egas Moniz garantiu que «a Diretora do Serviço e os elementos do mesmo estão a elaborar um plano de recuperação de agenda nos três hospitais deste Centro Hospitalar [Hospital de São Francisco Xavier, Hospital de Santa Cruz e Hospital de Egas Moniz]».
Medidas de segurança
A investigação está a decorrer e a Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental garantiu, em comunicado, que os equipamentos médicos em questão se encontravam «numa Unidade de Endoscopia, no Edifício Ambulatório do Hospital de Egas Moniz que tem acesso restrito por portas com código e guardados em armário também com código de acesso». De facto, existem dois códigos de acesso e só é possível entrar no edifício e abrir o armário com o conhecimento dos códigos.
No entanto, o SOL sabe que os respetivos códigos são do conhecimento de todos os funcionários do Hospital de Egas Moniz, até porque estão escritos numa folha – folha esta que está afixada em várias paredes das salas do hospital. Uma vez que no edifício em questão também existe, por exemplo, um bloco para cirurgias simples, é necessário que mais médicos, auxiliares ou enfermeiros, tenham acesso.
O cenário é diferente, por exemplo, no Hospital de Vila Franca de Xira, onde os acessos funcionam através de um cartão. Ou seja, em vez de códigos, há sensores que leem os respetivos cartões. Neste caso, as portas apenas abrem quando o funcionário é autorizado em determinados serviços. Caso pretenda ter acesso a um novo serviço, a informática é responsável por atualizar as permissões, depois da devida autorização.
Não se trata de um caso isolado
O roubo que aconteceu na madrugada de segunda-feira não é único. Entre 2016 e 2017, a PSP investigou três casos ocorridos no Porto, Lisboa e Setúbal. «Foram furtados diversos equipamentos médicos de valor elevado, não sendo possível especificar tipo, nem quantidades», refere fonte oficial da PSP. Além dos casos registados em Portugal, é no resto da Europa que este tipo de crime atinge uma dimensão significativa nos últimos anos. Por este motivo, «a Europol criou um grupo de trabalho conjunto que investiga e troca informações entre os vários Estados-Membros», revela a PSP, acrescentando que «a Polícia de Segurança Pública pertence a esta equipa conjunta».
Já no período final do ano passado foram roubados diversos equipamentos médicos especializados em países como Áustria, Bélgica, Alemanha e França. Segundo avançou o Jornal de Notícias esta semana, um rede criminosa sul-americana poderá estar por detrás do roubo dos equipamentos em Portugal. É também provável que o material já não se encontre em território nacional, uma vez que os aparelhos têm número de série e, precisando de manutenção constante, seriam facilmente detetados.