Os líderes europeus nunca viram o referendo sobre a saída/permanência do Reino Unido da União Europeia de 2016 com bons olhos. Agora, no documentário “Inside Europe: Ten Years of Turmoil”, da BBC, François Hollande, antigo presidente da França, admitiu que chegou a apelar ao então primeiro-ministro britânico, David Cameron, que voltasse atrás com a promessa eleitoral e recuasse na convocação do referendo. Também Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, chegou a ameaçar Cameron com a perda de “tudo” se o referendo avançasse.
“Nada o obrigava a realizar o referendo quando o fez. Não seria a primeira vez que um compromisso feito numas eleições não seriam cumpridas depois, mas ele quis mostrar que conseguia negociar com sucesso com os europeus”, revelou Hollande. A conversa entre Cameron e Hollande teve lugar em 2015, quando o segundo passou uma noite em Chequers, a casa de férias dos líderes dos governos britânicos.
Em 2013, Cameron prometeu convocar um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE se o eleitorado britânico lhe desse a maioria nas eleições legislativas de 2015. Antes de avançar com a promessa, já tinha dito que queria renegociar os termos da participação do país no projeto europeu, ainda que não tenha referido quais as áreas em questão. Não o conseguiu e, numa tentativa de sedução do eleitorado conservador crítico de Bruxelas, o então primeiro-ministro avançou com a promessa. Os líderes europeus não a viram com bons olhos, mas decidiram esperar para ver se ia mesmo acontecer. O referendo realizou-se em 2016 e, com a vitória do voto pela saída, Cameron demitiu-se dois dias depois, sendo substituído por Theresa May, que, por sua vez, era a favor da permanência, tal como Cameron.
Hollande não foi o único a avisar Cameron dos riscos que o referendo representava, com Tusk a chegar ao ponto de ameaçar o primeiro-ministro britânico de que perderia “tudo”. “Disse-lhe sem rodeios para entrar na realidade. Sei que todos os primeiros-ministros estão a prometer ajudar-te, mas acredita que a verdade é que ninguém tem apetite por uma revolução na Europa só por causa do estúpido do teu referendo. Se nos tentares forçar, apressar-nos, vais perder tudo”, contou Tusk. “E pela primeira vez vi algo próximo de medo nos seus olhos. Ele finalmente compreendeu o desafio que estava a enfrentar”.
Na semana passada, Cameron quebrou o silêncio autoimposto e garantiu não se arrepender de ter convocado o referendo. “Não me arrependo de ter convocado o referendo. Foi uma promessa que fiz dois anos antes das eleições gerais de 2015. Estava no manifesto, houve legislação nesse sentido no Parlamento. Acho que seis em cada sete membros do Parlamento de todos os partidos votaram a favor do referendo”, disse à BBC.