Brasil. Jean Wyllys teme pela vida, abdica do mandato e foge do Brasil

O primeiro deputado federal assumidamente homossexual era obrigado a deslocar-se em veículo blindado por causa das ameaças de morte

Jean Wyllys não quer que lhe aconteça o mesmo que à sua companheira de partido, Marielle Franco, assassinada a tiro o ano passado. O deputado do PSOL, reeleito para o seu terceiro mandato consecutivo, vai afinal renunciar ao seu assento de deputado federal, deixar o Brasil e prosseguir uma carreira académica no estrangeiro.

O deputado, que cuspiu em Bolsonaro em 2016, quando este elogiou o chefe dos torturadores da ditadura militar na votação do impeachment de Dilma Rousseff, vive com escolta policial depois de receber inúmeras ameaças de morte. Agora vai seguir o conselho do ex-presidente uruguaio e deixar o seu país. “Pepe Mujica, quando soube que eu estava ameaçado de morte, falou para mim: ‘Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis.’”

Em entrevista exclusiva à “Folha de S. Paulo”, o deputado federal afirma que tomou a decisão depois de saber que familiares do ex-polícia militar que está a ser investigado pela morte de Marielle Franco trabalharam para o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.

“Me apavora saber que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do sicário”, disse Wyllys. “O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim”, explicou.

No Twitter, onde partilhou o link da entrevista, Wyllys escreveu em despedida: “Preservar a vida ameaçada é também uma estratégia da luta por dias melhores. Fizemos muito pelo bem comum. E faremos muito mais quando chegar o novo tempo, não importa que façamos por outros meios!”

Primeiro deputado federal assumidamente gay, defensor das causas LGBT no Congresso do Brasil, Wyllys sempre foi um alvo preferencial dos grupos mais conservadores da sociedade brasileira. A ponto de, em novembro passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ter exigido ao então governo de Michel Temer que zelasse pela vida do deputado, “posto que os seus direitos à vida e à integridade pessoal estão em grave risco”.

Como o próprio explicava no seu Twitter o ano passado, “ameaças e difamações orquestradas, especialmente em redes sociais, são reais e não podem ser simplesmente ignoradas, ou, como pede o senso comum, rotuladas como ‘vitimismo’. O discurso de ódio não pode ser minimizado. Ele é potencialmente assassino e tem produzido suas vítimas”.

Na entrevista à “Folha”, o deputado garante que “não foi uma decisão fácil e implicou muita dor”, pesando as ameaças e a necessidade de andar permanentemente com segurança: “Como é que eu vou viver quatro anos da minha vida não podendo frequentar os lugares que eu frequento?”

Para já, ainda não sabe para onde vai, apenas que vai prosseguir a carreira académica: “Vou escolher um lugar onde possa fazer o meu doutorado, que eu não pude fazer durante esses anos.”