Portugal tinha 4268 centenários, mas perdeu um deles

No mesmo dia em que o homem mais velho do mundo morreu, um japonês de 113 anos, um centenário português de 106 anos também perdeu a vida. O SOL faz o retrato dos portugueses com mais de cem anos.

O homem mais velho do mundo morreu no último domingo. Chamava-se Masazo Nonaka, era japonês e tinha 113 anos. De acordo com a família, morreu pacificamente durante o sono, de causas naturais, em sua casa em Ashoro, na ilha de Hokkaido, norte do Japão. No mesmo dia,  Portugal também perdeu um dos seus centenários.
José Antas, de 106 anos, era uma das 4268 pessoas no país com mais de cem anos, de acordo com dados avançados ao SOL pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Natural da aldeia de Cabração, no concelho minhoto de Ponte de Lima, José Luís Cunha Antas, conhecido como «Zezinho da Bemposta», morreu, tal como o supercentenário japonês, durante o sono.

Ao SOL, o vizinho de longa data José Augusto Caçador explica  que José Antas morreu «de idade. Não ficou doente, mas já eram 106, não é? A idade não tem cura», assinala.

Zezinho da Bemposta era, nas palavras do vizinho, «uma pessoa extraordinária, de quem toda  a gente gostava». E não só em Ponte de Lima, garante, «mas por toda a região, onde era muito conhecido». 

Com 106 anos, Zezinho da Bemposta não tinha qualquer apoio domiciliário e vivia em sua casa. «Vivia na sua casa, que é muito grande, com a filha, o genro e o neto», conta ao SOL o mesmo vizinho, que diz que «também a filha é extraordinária, era como mãe dele e não deixava que nada faltasse ao pai, era muito dedicada».

Aos 106 anos, José Antas tinha ainda uma boa mobilidade, «ainda que andasse de muletas nos últimos tempos», e continuava «muito lúcido», recorda o vizinho José Caçador, que considera ainda invulgar a memória do centenário. «Tinha uma memória melhor do que a nossa, dava-nos um bailaricos a nós todos juntos», diz. 

«Temos uma associação chamada ‘Os Josés de Ponte de Lima’ e todos os anos fazemos uma festa e íamos visitá-lo. Às vezes levávamos até pessoas connosco fora da associação, que ele não conhecia, e perguntava-lhes logo de onde eram e sabia tudo, dizia logo que eram da família tal e de tal. Tinha mesmo muito boa memória», recorda.
 Também o amigo José Costa Lima lembra assim José Antas: conheceu o centenário por causa da associação «Os Josés de Ponte de Lima» – que junta anualmente a 19 de março os Josés da região e no ano passado homenageou José Antas – e recorda-o como «um homem muito bem-disposto, ainda muito lúcido, que estava sempre a contar histórias. Era muito engraçado e gostava muito de conversar», descreve. Em outubro de 2016, José Antas, na altura com 104 anos, chegou mesmo a ir à Rádio Ondas do Lima na qualidade de «expressivo contador de histórias», lê-se no Facebook da rádio regional. 

Se a boa disposição e o facto de ser conversador era ou não o segredo para a sua longevidade nunca se saberá, mas outra das características de Zezinho da Bemposta era o facto de comer  pouco – algo que pode ter tido peso para chegar a tão avançada idade.

Ao Jornal de Notícias, numa reportagem publicada no início deste ano, José Antas recordava os anos de «vida louca de solteiro». Foi apenas aos 60 anos que casou, com a empregada, com quem tinha já a filha, na altura com 11 anos. A partir dos 60, foi altura de abrandar. «Não come muito, sempre foi assim. E beber também nunca bebeu», disse a filha ao na mesma ocasião ao Jornal de Notícias.

Profissionalmente, Zezinho da Bemposta foi agricultor e proprietário de uma mercearia na aldeia de Cabração. Nascido em 29 de junho de 1912, foi considerado a pessoa mais velha do Minho numa iniciativa do jornal regional O Minho lançada no ano passado, que procurava determinar quem eram os centenários da região.
O funeral do centenário português realizou-se na manhã de segunda-feira, depois de uma vida que se prolongou por 106 anos, 6 meses e 19 dias.

Centenários em Portugal

Os dados disponibilizados ao SOL pelo INE – que se referem ao levantamento mais recente feito no país, em 2017 – revelam que, por cá, existem 2600 mulheres centenárias, à frente dos homens, que são 1668 – num total de 4268 pessoas. A diferença acentuada é compreensível: a esperança média de vida em Portugal fixa-se nos 78,1 anos para os homens e nos 84,3 anos para as mulheres, de acordo com os dados mais recentes da Pordata, relativos a 2016. 
Mas os dados permitem fazer de forma mais aprofundada o retrato desta população. É, por exemplo, no Centro que existem mais centenários, 1381, dos quais 868 são mulheres e 513 são homens. Segue-se o Norte, onde vivem 656 mulheres e 428 homens com mais de 100 anos – 1084 no total – e o terceiro lugar é ocupado pela Área Metropolitana de Lisboa, com 339 homens e 479 mulheres (818 centenários, no total). No final da contagem surgem o Alentejo – com 339 mulheres e 213 homens – e o Algarve – com 139 mulheres e 104 homens.

Nas ilhas, os números impressionam: nos Açores vivem 109 centenários – 41 homens e 68 mulheres – e na Madeira estão contabilizadas 81 pessoas com mais de 100 anos – 51 mulheres e 30 homens.

Centenários no mundo

Quem são as pessoas mais velhas do mundo? Com a morte de Masazo Nonaka, o lugar de homem mais velho do mundo está para já por ocupar. No comunicado da morte do japonês, o Guiness World Records – que reconhece internacionalmente as pessoas mais velhas do mundo todos os anos – explica que «está de momento a investigar o detentor do título de homem mais velho do mundo».

Também por determinar está a mulher mais velha do mundo. A última detentora do título foi Chiyo Miyako, igualmente japonesa, que morreu aos 117 anos, em 22 de julho de 2018. Desde essa data, o Guiness não revelou ainda quem passou a ser a mulher mais velha do mundo.

Há, contudo, uma mulher russa que reclama ter 129 anos. O Guiness nunca se pronunciou relativamente ao caso, mas a verdade é que o bilhete de identidade de Koku Istambulova, natural da Chechénia, tem como data de nascimento o dia 1 de junho de 1889. A mulher, que deu já entrevistas a diversos órgãos de comunicação social internacionais, diz que não sabe como continua viva e que nada fez ao longo da vida que possa ter contribuído para a sua longevidade. E o que para muitos pode parecer positivo, é descrito por Koku Istambulova como «um castigo». A mulher diz mesmo que não teve «um único dia feliz em toda a sua vida».

A pessoa mais velha de sempre – a contar com o «selo» do Guiness, entenda-se –, de resto, foi uma francesa: Jeanne Luise Calment viveu até aos 122 anos, de 1875 a 1997. Durante cinco semanas, o pódio foi ocupado por uma portuguesa – Maria deJesus, de Tomar, que morreu aos 115 anos, em 2009. Nascida em 10 de setembro de 1893, Maria de Jesus era cega de um olho desde criança e conhecida pela sua religiosidade. Era analfabeta e tentou aprender a ler em 1994, mas não conseguiu e abandonou a ideia. Foi a pessoa mais velha a visitar a Expo 98.

Entre os países mais envelhecidos

Esta semana, um estudo da Euromonitor International revelou que Portugal está entre os países com a população mais envelhecida do mundo – ocupa o quinto lugar. À sua frente, estão apenas a Finlândia, a Grécia, a Itália e, em primeiro lugar, o Japão.

No último relatório publicado, Portugal posicionava-se em sexto lugar, tendo agora ultrapassado a Alemanha, uma vez que facilitou «a sua política de imigração num esforço para atrair imigrantes e reverter a tendência de despovoamento», lê-se. E a tendência não é de estagnação. «Ainda é esperado um forte aumento da sua população com 65 anos ou mais até 2030», assinala a Euromonitor Internacional.

Também com previsões pouco animadoras está a Grécia. Segundo o mesmo estudo, em 2030, o país vai ultrapassar a Itália, passando a afirmar-se como o segundo país mais envelhecido do mundo. 

E se, por uma lado, «envelhecer e aumentar a expectativa de vida são motivos de comemoração, pois refletem o sucesso de um país em saúde e em avanços médicos», defende o consultor sénior de População da Euromonitor International, Lan Ha, «o envelhecimento da população apresenta desafios económicos significativos, especialmente porque é frequentemente acompanhado por baixas taxas de natalidade e fertilidade, fazendo com que a população diminua».
De acordo com o documento, esses fatores «irão dificultar a geração de crescimento económico e, ao mesmo tempo, colocarão uma enorme pressão sobre os sistemas de pensão e previdência social. No entanto, as oportunidades de negócios apresentadas pelo envelhecimento da população são igualmente grandes. A necessidade de mitigar a contração da força de trabalho também estimula as inovações tecnológicas e o desenvolvimento de produtos voltados para o consumidor sénior», conclui.