Venezuela. Maduro desafia UE e Rússia apoia-o

Um adido militar venezuelano desertou este fim-de-semana e apelou à revolta dos militares contra o regime

O regime de Nicolás Maduro teve ontem a primeira deserção entre a cúpula militar. O corono José Luis Silva, representante militar da Venezuela nos Estados Unidos, decidiu romper com Maduro e, numa entrevista ao “Miami Herald”, conhecido por apoiar os movimentos anti-castristas e anti-Maduro, criticou o regime por criar “multimiliários à custa do povo”. “Dirijo-me ao povo venezuelano e, em especial, aos meus irmãos da força armada nacional com a finalidade de reconhecer como único presidente legítimo Juan Guaidó”, disse Luis Silva num vídeo mais tarde divulgado e filmado na Embaixada da Venezuela em Washington, exortando de seguida os militares: “As forças armadas têm um papel fundamental na restauração da democracia no nosso país. Por favor, irmãos, não ataquem o nosso povo. O Estado deu-nos as armas para defendermos o nosso país, não para atacar os nossos iguais”. 

As forças armadas são o principal sustentáculo do regime de Maduro e, sabendo-o, a oposição tem tentado fazer com que os militares o abandonem. A deserção de Luis Silva é a primeira, mas não deverá ter grande impacto entre a cúpula militar no país, ainda que abra um importante precedente.  

A braços com a maior crise política desde que assumiu o cargo em 2013, o presidente venezuelano rejeitou o ultimato da União Europeia para convocar eleições num prazo de oito dias, caso contrário Bruxelas irá “tomar ações no futuro, incluindo sobre o tema do reconhecimento da liderança do país”, segundo Federica Mogherini, Alta Representante para a Política Externa da UE. “A Europa comete, mais uma vez, um erro em relação à Venezuela. Ignora a nossa história, apesar dos 200 anos da nossa liberdade”, disse Maduro numa entrevista à CNN Turquia, garantindo depois que “estamos orgulhosos da nossa soberania, temos o sangue dos nossos libertadores”. “Os países europeus devem renunciar ao ultimato, ninguém se pode atrever a fazer-nos ultimatos”, desafiou o chefe de Estado venezuelano, acusando o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, de se submeter a uma “posição nefasta” por pressões norte-americanas. “Pedro Sánchez está no traseiro de Donald Trump”, acusou Maduro. 

Ao contrário dos EUA, Canadá e outros países latino-americanos, a União Europeia assumiu, ainda que crítica de Maduro, uma posição intermédia entre o reconhecimento e o não reconhecimento de Guaidó, limitando-se a pedir eleições “livres e justas” – os opositores de Maduro não reconhecem as eleições que lhe deram um segundo mandato presidencial. Com os dias a passarem e a pressão a aumentar, a posição foi-se alterando, com ministros dos Negócios Estrangeiros, como o de Portugal, Augusto Santos Silva, a endurecerem a posição face a Caracas – Maduro devia “compreender que o seu tempo acabou”, disse Santos Silva. 

No dia anterior, o Reino Unido já tinha reconhecido Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, como presidente interino da Venezuela, ao mesmo tempo que o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, pressionavam para que Bruxelas reconhecesse Guaidó. 

O grande embate nas posições internacionais aconteceu este sábado no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, acusou Moscovo de apoiar e proteger o “estado ilegítimo da máfia” e a instar os restantes Estados a “escolherem um lado” encerrando as transações financeiras com Caracas –  tentativa de asfixia financeira há muito pedida e encetada por Washington. Por sua vez, a Rússia, um dos principais aliados de Maduro, acusou os EUA de “orquestrarem uma tentativa de golpe de Estado”, caracterizando a mudança de regime como “o jogo sujo preferido dos EUA” – no século XX, Washington procedeu a 56 intervenções militares na América Latina.

Pompeo apresentou uma declaração em apoio à Assembleia Nacional no Conselho de Segurança, mas a Rússia, China, África do Sul e Guiné Equatorial conseguiram com que fosse rejeitada. 

“Como é possível que o presidente dos EUA, que ameaçou militarmente a Venezuela, não tenha sido interpelado pelo mundo?”, questionou o ministro das Relações Externas venezuelano, Jorge Arreaza, horas antes de o órgão internacional se reunir. “São os EUA que ditam as ordens à oposição venezuelana e aos governos da região”, denunciou. 

Não esquecendo o ultimato europeu – avançado por Espanha, Alemanha e França -, Arreza desafiou e acusou a Europa de ser “infantil”: “Onde é que vocês foram tirar [essa ideia de] que têm poder sobre um povo soberano para nos fazerem um ultimato?”. E, por fim, garantiu que as ações externas não vão encaminhar o país para um guerra civil: “Não nos vão levar a uma guerra civil na Venezuela”. “A Venezuela é irrevogavelmente livre!”, concluiu.