Se a dúvida que assaltava David Bowie se prendia com a existência ou não de vida em Marte, há quem esteja mais preocupado em garantir que o planeta vermelho venha a ter vinho. Mais especificamente, a Geórgia; não o Estado norte-americano, mas a antiga República Soviética. Talvez o ímpeto espacial venha da herança russa, mas o culto do vinho, por sua vez, está no sangue do país há pelo menos oito mil anos. Parece muito tempo, é certo, mas é isso que os vestígios arqueológicos revelam: em 2017 foram encontrados em território georgiano os mais antigos vasos de cerâmica destinados à produção de vinho, uma descoberta que valeu ao país a distinção de local de vinificação mais antigo de que há registo.
Mas quais são então os planos da Geórgia? Num projeto a que foi dado o nome de IX Milénio – porque quem já faz vinho há tanto tempo, não vai parar agora –, o país pretende instalar uma infraestrutura agrícola em Marte. Para tal, os vários cientistas envolvidos no projeto têm muita investigação pela frente, mas fundamental mesmo é determinarem qual a variedade de uvas viníferas que melhor se poderá vir a adaptar ao clima marciano – num universo de mais de dez mil tipos de uva no mundo, existem cerca de 500 na Geórgia, e é com essas que os investigadores estão a trabalhar.
Essa tem sido a tarefa da Universidade de Negócios e Tecnologia de Tbilisi e está, certamente, a ser um desafio: é que Marte caracteriza-se por radiação severa, duras tempestades de pó e mudanças drásticas de temperatura. Mas impera assegurar aos futuros residentes do planeta vermelho que poderão beber o sumo de Baco. «Se vamos viver em Marte um dia, a Geórgia tem de contribuir. Os nossos antepassados trouxeram o vinho para Terra, por isso nós podemos fazer o mesmo em relação a Marte», justifica Nikoloz Doborjginidze, fundador da Agência de Investigação Espacial da Geórgia, ao jornal norte-americano The Washington Post. Doborjginidze é também consultor do Ministério da Educação e da Ciência georgiano – uma das entidades envolvidas no projeto.
O IX Milénio arrancou em 2016, quando Elon Musk, o fundador da Space X – empresa aeroespacial norte-americana – revelou que a sua empresa estaria apta para a primeira missão humana a Marte já em 2024. É, de resto, a empresa que mais cedo projeta a ida humana a Marte – com o objetivo último de colonizar o planeta. A NASA, por um lado, só faz previsões para algures em 2030 – e a ideia é colocar investigadores no terreno –, enquanto o outro concorrente – o projeto holandês Mars One, que planeia também criar uma colónia humana no planeta – não deve lá chegar antes de 2032. Mas voltando ao vinho: foi então o anúncio de Elon Musk que levou a equipa georgiana a lançar o projeto, diz o The Washington Post; já agência de notícias estatal da Geórgia, Agenda.ge, refere que o IX Milénio surgiu «em resposta à abertura de candidaturas pela NASA». Motivações à parte, a verdade é que o projeto terá desenvolvimentos já no final deste ano, com a instalação de estufas verticais no interior de um hotel na capital do país, Tbilisi, onde cápsulas com solo e sementes – não só de uvas, mas também de morangos e de rúcula, conhecidos pela sua riqueza vitamínica e que poderão vir a ser bons residentes do planeta vermelho –, do chão até ao teto, vão ser deixadas sob luzes artificiais, com o mínimo de intervenção humana possível. Porquê? Para recriar o mais fielmente as possíveis condições das futuras cápsulas agrícolas marcianas.
Entretanto, nos próximos anos, a equipa da Universidade de Negócios e Tecnologia de Tbilisi vai testar vários tipos de solo para depois poder simular um ambiente marciano em laboratório, com tudo o que o caracteriza: temperaturas negativas, níveis elevados de monóxido de carbono e ar rarefeito, para recriar a pressão atmosférica do planeta – que, segundo o The Washington Post, é equivalente a uma altitude de 20 mil pés na Terra.
Ainda que a equipa não espere chegar ao veredicto final relativo à melhor uva para levar para Marte antes de 2022, os investigadores já fizeram avanços: parece que o vinho branco vai sair-se melhor em Marte, uma vez que «as uvas brancas tendem a ser mais resistentes a vírus», justifica ao The Washington Post Levan Ujmajuridze, o diretor do laboratório de vinhas da Geórgia, que acredita que as uvas brancas «iriam aguentar-se bem também com a radiação», uma vez que «a sua pele poderia refleti-la».