A investigação criminal rege-se pela Lei Orgânica da Investigação Criminal (LOIC – nº 49/2008).
De forma clara e inequívoca, ali é definido que a investigação criminal:
– Compreende as diligências que, de acordo com a lei processual penal, se destinam a averiguar se houve crime, determinar os agentes e a respetiva responsabilidade, e descobrir e recolher provas;
– Cabe à autoridade judiciária, assistida na investigação pelos órgãos de investigação criminal (OIC).
De igual modo se define o processo a seguir, a forma de atuar e a autonomia técnica.
Também na LOIC são definidos quais são os OIC, quer os de competência genérica quer os de competência específica, bem como as situações em que pode haver lugar a incompetências, conflitos negativos, ou competência específica do procurador-geral da República.
A Polícia Judiciária Militar (PJM) não é tratada de forma específica nesta lei, a qual considera que a PJM só deve atuar nos crimes estritamente militares, em especial quando ocorram em unidades, estabelecimentos e órgãos militares. E prevê as formas de colaboração entre a PJM, a PJ, as Forças Armadas e outras forças militares.
Pode, assim, considerar-se a PJM como um órgão de investigação criminal de ‘competência específica’ para a investigação de crimes estritamente militares (assim classificados e tipificados na lei) e de ‘competência reservada’ para a investigação de crimes cometidos no interior de unidades, estabelecimentos e órgãos militares, sem prejuízo de competências conferidas à GNR.
Faço um pequeno parêntesis para recordar que, nos termos da lei, a PJM é um serviço central do Ministério da Defesa, logo depende do ministro da Defesa, não tendo qualquer dependência da estrutura militar, seja o Estado-Maior General das Forças Armadas, os ramos das Forças Armadas ou a GNR.
No entanto, não devemos menorizar o facto de os investigadores da PJM serem militares, do ativo ou da reserva, ‘destacados’ neste OIC, subordinados ao Estatuto da Condição Militar, logo sujeitos ao desenvolvimento da sua carreira nos ramos das Forças Armadas a que pertencem ou na GNR – mas sempre na dependência funcional do Ministério Público.
Assim, fácil é percecionar o ambiente e a natureza de um exercício que provoca situações menos claras, enviesadas e mesmo conflituais.
Argumentos frequentemente aduzidos – como a proteção de questões operacionais ou a defesa de atentados contra a coesão e a confiança – são incongruentes e corporativistas, sendo disso prova os factos de extrema gravidade ocorridos nos últimos anos, e os resultados que daí advieram sempre que a PJM atuou em exclusivo, em contraponto aos factos mais recentes em que tal não aconteceu.
O Governo de Pedro Passos Coelho, através do ministro da Defesa, Aguiar-Branco, da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, e do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, estudou esta importante questão, tendo produzido propostas materializadas em dois documentos, a saber:
– Criar na PJ uma unidade orgânica vocacionada para a criminalidade de ‘natureza’ militar, extinguindo a PJM e integrando-a (por fusão) na PJ, com salvaguarda da participação de investigação militar nesta unidade;
– Criar na estrutura da GNR uma Direção de Investigação de Crimes Militares, vocacionada para a investigação de matérias relacionadas com a ‘criminalidade militar’.
Os estudos terminaram com a criação desta Direção – que, após reuniões entre o Conselho de Chefes de Estado-Maior e o comandante-geral da GNR, foi registada no Memorando 002/CCEM de 18/3/2014.
Este memorando, assinado pelos chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas (Pina Monteiro), da Armada (Macieira Fragoso), do Exército (Carlos Jerónimo) e da Força Aérea (Araújo Pinheiro), foi enviado, por ofício de 21 de março de 2014, ao gabinete do ministro da Defesa e ao Comando Geral da GNR.
Atendendo à organização dos múltiplos programas então em curso no âmbito da reforma ‘Defesa 2020’, foi decidido pelo Governo que este objetivo seria tratado no início do futuro Governo – que, por efeito da ‘geringoncite’, não teve vida efetiva.
Assim, ‘morreu’ o trabalho já realizado. E os factos ocorridos nesta legislatura só vieram confirmar como era adequada a iniciativa do anterior Governo, bem como as propostas apresentadas – sendo que a exposição de motivos do Conselho de Chefes do Estado-Maior e do comandante-geral da GNR contém, em nossa opinião, e em Nome da Verdade, o argumentário decisivo para que o modelo a seguir seja a criação da Direção de Investigação de Crimes Militares na Guarda Nacional Republicana. Que valerá a pena ser do conhecimento de quem fala ou escreve sobre este assunto.
*Major-General Reformado