Ir a Roma e não atirar uma moeda na Fonte de Trevi é como visitar a cidade e não ver o Papa. A tradição é antiga e ficou famosa em 1954 com o filme Three Coins in The Fountain, que conta a história de três secretárias que visitam a capital italiana e atiram moedas para esta fonte. No final, encontram o amor. A ‘fórmula’ é simples: a moeda deve ser sempre atirada de costas por cima do ombro. Caso atire uma, volta a visitar a cidade; se atirar duas, encontra um amor em Roma; atire três e irá casar-se na capital italiana.
Este é um ponto turístico sem em ebulição, com milhares de pessoas que, todos os anos, ajudam a pintar o fundo da fonte com moedas de diversas quantias e diferentes países. Todos os anos, são recolhidos cerca de um milhão e meio de euros.
No último mês, o rumo destas moedas foi tema de discussão entre a Câmara Municipal de Roma e a Cáritas.
De um lado, a igreja Católica que ao longo dos últimos anos tem recebido o dinheiro e afirma usá-lo para ajudar os mais necessitados. Do outro, a autarquia da cidade, presidida por Virginia Raggi, que em 2017 abriu um processo de reflexão sobre o destino destas moedas e adiou a decisão para o final do ano de 2018. Em dezembro, decretou que estas seriam usadas para a manutenção dos monumentos. Tudo apontava para que a medida entrasse em vigor já em abril, mas o povo italiano e a igreja mostraram-se contra.
«Não estávamos à espera desta decisão. E espero que não seja final», confessou o diretor da Cáritas, Benoni Ambarus, ao jornal da conferência episcopal italiana, Avvenire, onde afirmou que esta medida era negativa para os mais pobres. Também num post publicado no Facebook, a instituição agradeceu a confiança de todos: «Agradecemos a todos os que têm demonstrado confiança na Cáritas – aos mais de 5 mil voluntários e às 300 pessoas que todos os dias trabalham em 51 projetos», desde cantinas, pousadas e serviços de cuidado em casa. A Cáritas aproveitou a ocasião para deixar a garantia de que tudo fará pelos mais necessitados.
Em janeiro, a força da polémica e do descontentamento italiano face à decisão fez com que esta caísse por terra e que Virginia voltasse atrás com a palavra. Já em outubro, outras decisões da presidente tinham sido alvo de manifestações, uma vez que esta é acusada de não resolver os problemas da cidade como o lixo nas ruas ou o mau estado das estradas.
«Confirmo que as moedas permanecerão disponíveis para as atividades de caridade da instituição diocesana. Ninguém pensou em privar a Cáritas desses fundos. A entidade diocesana realiza uma tarefa importante a favor de muitos necessitados e da cidade de Roma que quer continuar a ser a capital mais solidária», esclareceu a presidente eleita em 2016 que foi obrigada, em entrevista ao jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, a dizer que tudo não tinha passado de um erro. «É um ato administrativo devido à necessidade de coletar e quantificar as moedas que os turistas lançam, não apenas na Fonte de Trevi, mas também noutras fontes monumentais de Roma», começou por justificar, afirmando que quer apenas que turistas e cidadãos saibam o valor exato que é retirado da fonte assim como para que obras se destina.
Depois de desfeito o suposto erro e de toda a polémica à volta da fortuna da fonte, a Cáritas Diocesana voltou a garantir que o dinheiro que é retirado anualmente da fonte tem como destino os projetos sociais da instituição. Dois mil euros serão então entregues à ACEA, entidade responsável pelo fornecimento de energia e água, e o resto do valor será dado diretamente à instituição. Além deste valor, a Cáritas garantiu também que as moedas deitadas em todas as fontes romanas teriam como destino final a instituição.
Com o dinheiro que é retirado da fonte, a Cáritas afirma ajudar todos os anos centenas de pessoas sem-abrigo, com camas, bens de primeira necessidade e auxílio médico – tendo até uma clínica dentária.
A receita reverte para a instituição desde 2001, altura em que Francesco Rutelli, antigo presidente da câmara da cidade, decidiu doar o dinheiro à instituição que, de três em três meses, apresentava um relatório discriminatório dos gastos. O antigo presidente pronunciou-se sobre a polémica e explicou que, embora a autarquia tenha o direito de decidir em que projeto investir o dinheiro da fonte, «é difícil encontrar uma causa melhor». «Os mendigos lutavam pelas moedas e o mais rápido e mais agressivo levava-as», contou ao Adnkronos, agência noticiosa italiana. «A Fonte de Trevi é uma obra-prima universal que deve ser preservada e protegida e não ser deixada à mercê de pequenos crimes», «é bom que com esse dinheiro nós consigamos oferecer refeições quentes para pessoas pobres», concluiu.
A fonte foi construída no último ponto do aqueduto Aqua Virgo, um projeto pensado pelo Papa Clemente XIII , financiado pela igreja católica e construindo pelo arquiteto Nicola Salvi. A obra que hoje é a maior fonte da cidade, com 26 metros de altura e 20 de comprimento, demorou 11 anos a ficar pronta.