Existe a ideia de que há sempre uma epidemia associada a determinada época. E não é novidade que vários médicos têm apontado para o facto de a ansiedade conseguir ocupar o primeiro lugar na tabela dos maiores males do séc. XXI.
No ano passado, dados inéditos fornecidos ao i pela ACSS, que em 2016 passou a poder coligir informação a nível nacional, revelam que no final de 2017 havia 999 032 doentes com diagnóstico de depressão e 662 587 com diagnóstico de ansiedade nos centros de saúde, as perturbações psicológicas mais comuns. A piorar o cenário, nem todos tinham médico de família e os centros de saúde contavam com apenas 242 psicólogos.
Uma das conclusões era ainda que a depressão e a ansiedade chegavam a ser mais frequentes do que diabetes ou até excesso de peso. Com o números a aumentar de forma exponencial, Diogo Telles Correia, especialista em Psiquiatria e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, lançou o livro “A Ansiedade nos Nossos Dias”. Numa tentativa de elaborar um cenário de causa-efeito, o especialista explica que a ansiedade “depende de uma componente biológica em que entram os nossos genes, aquilo que herdamos dos nossos pais, e de uma componente ambiental, daquilo que o mundo nos vai oferecendo. Enquanto o século XX se caracterizou pelo combate à negatividade, àquilo que nos é estranho e ao inimigo (com o combate das doenças infecciosas, a descoberta dos antibióticos, etc.), nos dias de hoje há um excesso de positividade, um excesso de estímulos, de impulsos de informação apoiados pela globalização”.
Agora, um estudo publicado na revista científica Scientific Reports, conduzido por Geert de Vries, professor de neurociência e vice-presidente associado de pesquisa na Georgia State, e Benoit Chassaing, professor assistente de neurociência, evidencia que é preciso ter mais atenção ao que nos rodeia do que se pensa. O estudo agora apresentado garante que alimentos processados possuem hoje alguns tipos de aditivos químicos, responsáveis por modificar a textura do produto e prolongar a data de validade. Além de serem prejudiciais para a saúde, esta pesquisa determinou agora que esses ingredientes podem também afetar negativamente comportamentos sociais e ter um efeito nos níveis de ansiedade.
Ansiedade? Que tipo?
Vários especialistas têm, ao longo do tempo, alertado para o facto de existirem vários tipos de perturbações associados a esta palavra. Neste saco, cabem a perturbação de ansiedade generalizada, a perturbação de pânico, a fobia social, as fobias simples, a perturbação de stress pós-traumático e a perturbação obsessiva-compulsiva. Ainda que em escalas diferentes, todas têm o poder de mudar a vida de quem sofre de qualquer uma delas para pior. Em alguns casos, pode chegar a ter consequências pesadas a todos os níveis.
Sob a proteção de um nome fictício, Ricardo conta que perdeu a noção de quantas vezes acreditou que estava a minutos de morrer. “Devia ter uns 18 anos e um percurso normal. Talvez, tivesse tiques nervosos na escola, mas nada mais do que isso. Mas isto era a minha história até ali, não tinha mais nada para contar até essa altura”. Sinais de sofrer de qualquer tipo de perturbação ligada à ansiedade não sentia que existissem. “Um dia estava a jogar, já era tarde, e comecei a sentir uma forte dor no peito. Tinha o coração muito acelerado e muita dificuldade a respirar. Na minha cabeça estava a ter um ataque cardíaco”.
Ricardo, que vivia na casa de família, chamou a mãe, convencido que estava numa situação urgente, de vida ou de morte. “Chamei a minha mãe, muito aflito, e chamaram o INEM. No hospital, fizeram-me muitos exames, mas não me sabiam dizer o que se tinha passado”.
Não voltou a ter nenhum episódio até que, passados dois anos, teve de fazer uma pequena intervenção cirúrgica. “Nessa altura tive de ficar uns tempos em casa e aí a situação mudou radicalmente. Sei que foi o ponto de viragem. Tinha sempre os mesmo sintomas. Na minha cabeça estava sempre perto de morrer de ataque cardíaco. Convencido de que a questão era o coração, fui ao médico e submeti-me a vários exames”.
Com os exames a confirmarem a inexistência de problemas de saúde, acabou por lhe ser diagnosticado um problema de ansiedade. “Foi quando começou a fase em que ninguém acredita. Comecei a achar que estava doente e que me estavam a enganar. Não podia ser ansiedade porque não me sentia ansioso. Então, comecei mesmo a achar que ia morrer de um momento para o outro”.
Com a sensação a aumentar, Ricardo começou a não ter como lidar com a situação. “Comecei a não me sentir bem em lado nenhum. Isolei-me mesmo. Como andava sempre preocupado, queria estar virado para dentro para identificar sintomas. A minha vida ficou toda condicionada, já não conseguia fazer nada. Até que, aos poucos, comecei a perceber que era da minha cabeça. Com ajuda necessária, consegui sair daquele buraco. Mas nunca mais fui o mesmo”.
Hoje, já mais velho, admite que foi conseguindo enfrentar, com pequenos truques, os desafios do dia a dia. Mas “só há pouco tempo é que consegui perceber que havia uma causa e percebi qual era”. Ainda que não queira expor a questão que o trouxe até aqui, admite que depois de diagnosticada a causa, a vida mudou. “Sei que pode voltar a acontecer, mas já quase não tenho ataques de pânico”.
A esta história somam-se muitas outras, ainda que assumam formas diferentes. Maria, também ela resguardada com um nome fictício, admite que nunca teve um ataque de pânico, mas que sabe o que é viver constantemente “entre a espada e a parede”. “É uma inquietação que não tem causa, mas também não tem controlo. Sinto-me sempre ansiosa e há imensas coisas no dia a dia que evito porque sei que vou ter a sensação de que o mundo vai acabar. Por vezes, basta a ideia de ter de estar num evento em que não conheço ninguém. Parece que me estão a dizer que vou ser morta. E o mais complicado é que não é fácil de explicar. Acredito que as pessoas não entendam”.
Também Diogo conhece bem esta realidade. Bastou começar um novo namoro para reconhecer nele vários episódios que conhecia do pai. Não esconde que gostava da rapariga em questão mas, depois de uma relação falhada, a nova tentativa de ser feliz num namoro trouxe-lhe complicações. Começou a querer afastar-se e os ataques de pânicos, a certeza de que ia morrer naquele momento, eram cada vez mais frequentes. Forçado a tomar medicação e apoiado principalmente pela mãe – que conhecia a perturbação -, conseguiu recuperar e avançar na relação.
A estas juntam-se outras vozes como a de quem recorda o momento em que começou a ter enjoos e vómitos, antes de ir para as aulas. Ficava melhor quando comia menos, só que rapidamente começou a perder peso e a sentir-se cada vez mais triste. Neste caso estamos a falar de uma adolescente. E, neste campo, a pedopsiquiatra Paula Vilariça, autora de um artigo científico sobre o tema, afirma que “por detrás destes perfis de ansiedade e depressão estão, quase sempre, antecedentes de bullying na infância e, em simultâneo, ruturas familiares ou mudanças na vida laboral ou da saúde dos pais”. Também o facto de estarmos a assistir a um aumento no número de casos parece ter uma base com que muitos concordam: “expetativas elevadas que os miúdos trazem acerca das suas conquistas e da estabilidade que depois lhes falta”.