Por que andamos deprimidos? Ciência diz que é porque parámos

Estudo divulgado este ano mostra que é fácil promover a resiliência à depressão

Há pouco tempo, a publicação do livro “A Arte de Caminhar” veio introduzir a ideia de que apostar em caminhadas podia abrir as portas à tão desejada felicidade. “Tudo se move mais devagar quando caminho, o mundo torna-se mais suave e, durante um curto espaço de tempo, não me encontro a realizar tarefas domésticas, nem numa reunião, nem a ler manuscritos. Um homem livre tem tempo. As reuniões, as expetativas e os estados de espírito da família, colegas e amigos, tudo isso deixa de ter importância durante alguns minutos ou algumas horas. Ao caminhar, torno-me o centro da minha própria vida, mas pouco depois esqueço-me completamente de mim”, insiste o autor Erling Kagge.

A verdade é que existe uma aposta cada vez maior em caminhadas e há quem fale em moda. Mas será apenas isto? Será apenas uma moda? Ou será uma forma de defesa de que nem damos conta? Vamos por partes.

O número de quadros de depressão tem aumentado exponencialmente nos últimos tempos. Portugal não é exceção. A par desta realidade, existe uma outra que não pode ser esquecida. Em 2018, um estudo garantia que os portugueses fazem cada vez menos exercício físico. Nem há tempo, nem há motivação, garantiam os autores desta análise. Até uma caminhada de 10 minutos seguidos estava completamente fora dos hábitos de 29% dos inquiridos. As conclusões faziam parte do Eurobarómetro sobre desporto e atividade física, realizado de quatro em quatro anos e coordenado pela Direção-Geral da Comunicação da Comissão Europeia.

Os resultados eram claros e apontavam Portugal como um dos países onde mais pessoas dizem nunca ou raramente fazer exercício. Face aos resultados, Pedro Teixeira, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física, aproveitou para relembrar que a inatividade física “é um dos três principais fatores de risco comportamentais para as doenças que mais custos de saúde têm”. “Relativamente àquilo que custaria investir na atividade física em relação aos ganhos que tem, é um dos investimentos mais eficientes que um país pode fazer.”

O leitor pode estar a esta hora a questionar porque estamos a falar de dados que já são conhecidos. Há cada vez mais pessoas afetadas pela depressão e isto já se sabe. Também fazemos cada vez menos exercício e não é novidade. Escolhemos este ponto de partida para dar a importância devida a um estudo que foi revelado no final do mês passado. Há muito tempo que vários estudos apontam para uma relação direta entre a atividade física e a redução do risco de depressão. No entanto, havia ainda muito a comprovar. Agora, um novo estudo veio esclarecer as dúvidas que existiam. Investigadores do Massachusetts General Hospital (MGH) garantem que esta ligação não só está comprovada como é cada vez mais urgente que os países comecem a desenvolver estratégias de prevenção. “Qualquer atividade parece ser melhor que nenhuma; os nossos cálculos aproximados sugerem que uma sessão de 15 minutos de uma atividade de bombeamento do coração, como uma corrida, ou com uma hora de atividade moderadamente vigorosa, é suficiente”, salienta a análise. 

A análise aponta ainda a atividade física como uma poderosa forma de proteção contra doenças como a depressão. “Atualmente, estamos a analisar se e em que quantidade a atividade física pode beneficiar diferentes grupos de risco, como pessoas geneticamente vulneráveis ​​à depressão ou que passam por situações de grande exposição ao stress”. Os autores evidenciam que conseguir promover a resiliência à depressão é diferente e muito mais importante do que apenas dizer que fazer exercício físico ajuda. 

Para os investigadores, o simples facto de caminhar até ao trabalho, subir escadas ou cortar relva pode fazer mais por nós do que pensamos. Até porque, recorde-se, ainda que sem resultados redondos, vários especialistas já tinham começado a relacionar o sedentarismo a sintomas de depressão e outros. 

Números que preocupam Em 2018, através do estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, estimava-se que “em Portugal dois em cada dez trabalhadores sofressem de problemas de saúde psicológica e que faltassem ao trabalho 1,3 dias por ano devido a estes problemas”. Já de acordo com a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Trabalho podia, nesta altura, dizer-se que o stress laboral afetava já mais de 40 milhões de trabalhadores em toda a União Europeia.

O Retrato da Saúde mostrava que os casos de depressão, perturbações de ansiedade e demência aumentaram muito no decorrer de 2017 entre os inscritos nos centros de saúde. De acordo com esta análise, o valor não era tão elevado há pelo menos sete anos. O Ministério da Saúde garantia mesmo que o número de portugueses (inscritos nos centros) com depressões passou dos 6,85% para os 9,8%, entre 2011 e 2017. Nas perturbações de ansiedade, a percentagem quase duplicou (dos 3,51% para os 6,51%). A demência também aumentou. Falamos de quase 1% da população inscrita nos centros de saúde.

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“Os resultados do estudo sobre a prevalência de doenças mentais na população adulta portuguesa sugerem que somos o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais”, dizia ainda o Retrato da Saúde. Além disso, os dados mostravam que temos assistido igualmente ao crescimento do consumo de medicamentos como benzodiazepinas e antidepressivos, ou seja, medicamentos para tratamento da insónia, ansiedade e depressão. 

O tema tem merecido vários alertas e é fácil perceber o motivo. Dados divulgados pela Direção-Geral da Saúde (DGS) mostravam, em janeiro, que o número de portugueses com 15 ou mais anos que “raramente” ou “nunca praticaram” exercício ou desporto aumentou nos últimos anos.

Passou de 66% em 2009 para 74% em 2017.

Para saber mais, consulte aqui a referida análise.