Playboy, crooner de cruzeiros, empresário da televisão, ex-dono de um clube de futebol, político, três vezes primeiro-ministro, condenado a sete anos de prisão por incentivo à prostituição de menores e abuso de autoridade (pena depois reduzida a quatro anos, três deles perdoados por amnistia e um que nem sequer o obrigou a prisão domiciliária) e a outros três anos de prisão por corrupção, Silvio Berlusconi estava impedido de concorrer a cargos públicos. Ao três vezes primeiro-ministro, fundador da Forza Italia, o juiz impôs em 2013 a inibição de cargos públicos e a lei sobre corrupção determinou a sua expulsão do Senado nessa altura. Ficou também impedido de se candidatar a eleições durante seis anos.
Agora, Berlusconi está de volta. Com o mesmo sorriso de galã de fotonovela, o mesmo cabelo meticulosamente pintado e penteado e bem coladinho ao crânio, a mesma confiança de quem se acha único e indispensável. No ano passado ainda foi a votos com a sua refundada Forza Italia, numa coligação à direita com a Liga (de Matteo Salvini) e os Irmãos de Itália que se desfez depois para que Salvini se juntasse ao Movimento 5 Estrelas (M5S) no atual Governo – o partido liderado por Luigi Di Maio recusou-se a qualquer coligação com Berlusconi por causa da sua condenação por corrupção.
O regresso da Forza Italia ao palco eleitoral italiano não correu de feição para Berlusconi. Nem a coligação conseguiu superar o M5S, nem a Forza Italia conseguiu ser o partido mais votado à direita. Como habitualmente, para alguém que nunca se habituou a mea culpa ao longo da vida, o ex-primeiro-ministro rapidamente explicou o resultado pelo facto de estar impedido de assumir a presidência do Governo se fosse eleito, por causa da inibição de exercer cargos públicos ainda em vigor. E por motivos externos justificava o mau resultado nas urnas.
Agora, aos 82 anos, Berlusconi está de regresso e com a mesma humildade de sempre para concorrer a um cargo no Parlamento Europeu, porque não há eleições em Itália às quais se possa candidatar já. Quando anunciou a sua entrada na corrida ao Parlamento Europeu, em meados deste mês, garantiu que avançava para a Europa «por um sentido de responsabilidade», por causa da «falta de um pensamento profundo sobre o mundo» atualmente em Bruxelas.
O empresário e político que nos fez conhecer o termo bunga bunga, com as suas festas extravagantes que incluíam prostituas menores, fala como se o mundo, a Europa e Itália estivessem muito pior desde que ele se demitiu da liderança do Governo italiano em 2011.
E isto numa altura em que Karima El Mahrou ou Ruby Roubacorações, a prostituta de 17 anos com quem manteve relações sexuais e denunciou as festas bunga bunga que fizeram Berlusconi cair em desgraça, parece voltar para lhe trazer novas dores de cabeça.
O Ministério Público de Milão abriu esta semana uma investigação para apurar da veracidade da denúncia do ex-advogado de Ruby, Egidio Verzini, de que Berlusconi teria pago cinco milhões de euros através de bancos no México e na Antigua e Barbuda para comprar o silêncio. Dois milhões de euros para o então namorado da prostituta, Luca Risso, e três milhões para Ruby, transferidos para um banco no Dubai. Verzini – que tinha uma doença terminal e recorreu ao suicídio assistido o ano passado – afirmou que Berlusconi sabia que a prostituta era menor.
Algo que não parece tirar o sono ao ex-primeiro-ministro, cuja autoconfiança é característica intrínseca da sua personalidade, concentrado que volta a estar na sua carreira política – ainda para mais agora que já não é dono do Milan. E apesar de se lançar na corrida ao Parlamento Europeu, não deixou no anúncio da candidatura de criticar o Governo italiano, verdadeiro alvo de todas as suas movimentações: «Temos de mudar este Governo, que inclui o 5 Estrelas, que é liderado por pessoas que não têm experiência, nem competência», afirmou, acrescentando. «São como os cavalheiros da esquerda comunista de 1994», que derrotou na sua primeira eleição.