Cada um de nós tem os seus motivos para considerar uma pessoa, um objeto, uma paisagem, uma ideia ou um pormenor belos. Diz Miguel Torga, na «Ode à Beleza»: «És a beleza, enfim! És o teu nome! / Um milagre, uma luz, uma harmonia, / Uma linha sem traço…»
E esta «linha sem traço», a ideia de «belo», é um dos grandes conceitos da filosofia. Para Platão era mesmo a ideia suprema, enquanto para Aristóteles o belo estava associado à virtude. Por seu lado, para Hegel, a beleza era uma das armas mais poderosas que o homem possui para superar o seu destino trágico, encurralado entre o mundo natural e o mundo perfeito das ideias. E, apesar de o pós-modernismo, com a sua hiper-realidade, rejeitar a beleza, este conceito foi, posteriormente, recuperado, assumindo a beleza um papel cada vez mais importante.
Historicamente, como bem aponta Hegel, o conceito de beleza tem refletido as principais ideias vigentes em cada época, porque, sendo o homem que o define, este reflete, naturalmente, as teorias que, em cada momento, entende serem as mais importantes.
Diz Alves Pires: «Encontrar uma definição essencial de beleza que possa contentar o comum dos humanos é tarefa quase tão íngreme como achar um melro branco». Mas, podemos questionar-nos sobre o que é a beleza ou, mais concretamente, sobre o que é, para cada um de nós, a beleza.
Em A Devastação do Silêncio, João Reis, ironicamente, afirma: «As perguntas não me incomodam muito, creio, o problema está em exigirem resposta, com efeito, se as perguntas não requeressem uma resposta, duvido que me irritassem, na verdade, acho que as interrogações me exasperam meramente porque exigem uma resposta». E tem toda a razão! O que incomoda nas perguntas é o facto de exigirem uma resposta.
Ora, para responder à questão colocada sobre o que é a beleza, é necessário cada um ater-se às suas crenças pessoais, à análise dos motivos que o levam a considerar algo ou alguém belo. Trata-se, pois, de uma pergunta que nos leva a refletir sobre o nosso próprio sistema de pensamento, sobre os conceitos em que assenta a nossa definição de estética. O que importa é, pois, tanto o processo como as conclusões a que chegamos.
Diz S. Tomás de Aquino que a beleza é o que agrada à visão. Ora, se assim é, o que é que agrada à visão particular de cada um? O que é que a beleza tem que nos agrada e como pode ela salvar o mundo?
Quando Dostoievski, em O Idiota, põe na boca de Hippolytos a pergunta sobre se a beleza salvará o mundo, a resposta do príncipe Mychkine é apenas silêncio. Mas, sabe-se que o próprio Dostoievski acreditava nesta afirmação, porque, uma vez por ano, se deslocava a Dresden, na Alemanha, para contemplar a Madonna de Rafael, onde permanecia atento, longo tempo, em silêncio. E ele próprio afirmou: «Seguramente não podemos viver sem pão, mas também é impossível existir sem beleza». Terá sido a ideia subjacente a esta formulação que inspirou os movimentos sindicalistas no Brasil a proferir a famosa frase (copiada de Trotsky): «Pelo direito ao pão mas também à poesia».
A beleza (a poesia) retira o homem do seu quotidiano e lança-o em caminhos que Dionísio define como uma «tensão para uma vida mais alta», porque, como diz Florbela Espanca: «Ser poeta é ser mais alto, / É ser maior do que os homens». E a chave para alcançar a beleza está na própria vida, porque, nas palavras de João Paulo II; «Todo o homem recebeu a tarefa de ser artífice da própria vida: de certa forma, deve fazer dela uma obra de arte, uma obra-prima». Assim saibamos nós ter esta certeza e, a cada momento, seguir o conselho de Bento XVI, em Lisboa, no encontro no CCB com pessoas da cultura: «Saibamos fazer das nossas vidas locais de beleza!», para que, assim, à nossa volta, possamos admirar a beleza, admirar a poesia…