Eu esclareço

Constâncio decapitou o BCP, entregando-o à Sonangol… e a Sócrates

No seu comentário televisivo, José Miguel Júdice analisou o affaire CGD com palavras de tocante candura: tudo normal, tudo bons rapazes! É a sua opinião. Tamanha caridade reclamava contraponto, que o analista tratou de arranjar: «No BCP é que continua tudo por esclarecer». Ops! Aqui, discordo. Se há banco onde as coisas estão claras, esse banco é o BCP.
Admito que JMJ não tenha lido os livros de Maria Teixeira Alves, Paulo Penha ou Helena Garrido, e tudo o mais que foi revelado quanto à utilização da CGD para capturar o BCP, mas insinuar ‘mistério’ onde tudo foi desvendado já é mais questionável.

Imaginando, porém, que haja mais céticos, tenho muito gosto em esclarecer. Por hoje, fica a forma como o Banco de Portugal arruinou os acionistas, precipitando uma desvalorização de 97%. Na próxima semana, falarei do contributo da CMVM para uma destruição evitável… e estúpida.  

Acredito que JMJ concordará com o meu ponto de partida: no coração da economia nacional reside uma ‘autoridade’, o Banco de Portugal, que deu cabo dos bancos portugueses, a ponto de (quase) ter acabado com a espécie. Na base da fragilização do sistema financeiro esteve o assalto ao BCP, com Vítor Constâncio a reger a banda… aliás, o bando. Passou-se isso em 2007. 

O caldo estava entornado desde Junho desse ano, quando cinco dos nove administradores fizeram abortar a venda do Millennium Angola para impedir uma flagrante violação dos estatutos. Foi o bastante para que sete solícitos acionistas saíssem à liça com uma proposta de destituição dos ‘rebeldes’, que foi liminarmente derrotada em Assembleia Geral. José Miguel Júdice deve recordar-se deste espantoso episódio. 

Mas o plano de operações prosseguiu, cabendo ao Dr. Constâncio fazer, em dezembro, o que os sete amigos não tinham conseguido em Agosto: decapitar o BCP, entregá-lo à Sonangol… e a Sócrates.

Como as marcas do crime tinham de ser apagadas, a supervisão foi incumbida de montar um ‘caso’, usando como pretexto os créditos a 17 sociedades offshore que ascendiam a 500 milhões de euros. Os financiamentos representavam menos de 1% do Ativo do banco, a sua cobrança estava assegurada e o BdP não o ignorava. Mas nem isso deteve quem tinha as mãos sujas. E puxou-se a brasa às offshore… que é um termo que costuma desatar emoções. 

Quinhentos milhões é muito? É muitíssimo! Tem comparação com os ‘buracos’ de que, na altura, já se falava? Nem por sombras! Simplesmente, os buracos tinham origem em colossais falhanços na supervisão e ‘queimavam as mãos’, pelo que denúncias encomendadas sobre alegadas irregularidades no BCP surgiam como uma bênção para desviar as atenções. O ‘caso’ foi este, e não consente dúvidas.

A mandar no BCP, a petrolífera tratou de lá colocar pessoas da sua confiança que, entre outros feitos, promoveram a venda de um valiosíssimo projeto imobiliário em Luanda a uma sociedade angolana de que eram sócios dois dirigentes do BCP. Conflito de interesses? Alguém quer saber disso…

Que se saiba, este é o único mistério que resta esclarecer. Mas só quando o BdP e o MP se dispuserem a fazê-lo.