“Na estação Martín Carrera vi um senhor a olhar para mim. Era alto, moreno, jovem e gordo, com um casaco verde. Tirei os headphones e ouvi outra pessoa a dizer-lhe: ‘Não, a de preto não porque está grávida.’ Depois, quando saí do metro, ele agarrou-me o braço e disse-me: ‘Espera, rapariga, se gritas é pior.’ Aguardou que toda a gente se fosse embora e vi como o homem com quem falou levava outra rapariga como eu.” Este é o relato de uma das muitas tentativas de sequestro no metro da Cidade do México. Itzie descreve no Facebook que os sequestradores não demonstraram qualquer interesse no que tinha em sua posse, apenas a queriam levar, a ela e à outra jovem mulher.
“Tentei correr, mas ele agarrou-me no cabelo e deu-me um murro na cara. Perdi de vista a outra rapariga, a única coisa que me passava pela cabeça é que não ia voltar a ver a minha família.” A jovem escapou por sorte, enquanto o homem parecia esperar por um carro à beira da estrada. “Empurrei-o com força e desatei a correr. Cheguei a casa com um golpe na cara e cheia de medo.” Itzie não soube o que aconteceu à outra mulher raptada, cujo destino ainda a ensombra. “Sinto-me impotente, culpada e frustrada por não poder fazer mais por ela”, conta a sobrevivente.
O relato de Itzie, juntamente com a foto do seu rosto marcado, já foi partilhado por mais de 160 mil pessoas. É apenas uma entre as mais de uma centena de tentativas de sequestro de mulheres denunciadas desde o início de fevereiro, após um comunicado da Procuradoria–Geral de Justiça ter informado do desa-parecimento de pelo menos 153 pessoas, nos últimos quatro anos, no metro da Cidade do México, o segundo mais movimentado do mundo, com 5,5 milhões de passageiros por dia.
A onda de testemunhos levou a que vários utilizadores do Facebook centralizassem as denúncias, construindo um mapa com os casos assinalados que é também um mapa das zonas de maior perigo e que se tornou viral. Contabilizam 34 tentativas de sequestro apenas em janeiro, correspondendo a mais de um ataque por dia. Essas tentativas têm em comum terem ocorrido na rede de metro da capital ou nas proximidades, com vários relatos a identificarem os mesmos veículos de fuga e o mesmo modus operandi, levantando a suspeita de os crimes serem responsabilidade de grupos organizados dedicadas ao tráfico humano. Calcula-se que cerca de 12 milhões de pessoas sejam vítimas de tráfico humano no México, das quais 79% são utilizadas para exploração sexual, 18% para exploração laboral e 3% para extração de órgãos.
Omaira Ochoa Mercado, ativista de direitos humanos, lamenta a apatia dos seguranças e dos restantes passageiros do metro em muitos dos casos. “Não ajudam [as vítimas]. Nos relatos em que há gente próxima, poucas vezes as apoiam.” Várias vítimas contam que os criminosos fingem que o sequestro se trata de uma discussão entre namorados, para que os revisores e os transeuntes não ajudem as vítimas. Usam frases como “acalma-te, meu amor”, “já chegamos a casa” ou “não se preocupem, está a fazer uma birra”, testemunho também da invisibilidade social da violência contra as mulheres no México. Entre nove e dez mulheres são assassinadas por dia no país, num total de cerca de 3500 mulheres em 2018. O número de assassinatos de mulheres com menos de 17 anos cresceu 32% em relação ao ano anterior. O assédio e a violência sexual contra mulheres são dos delitos mais cometidos na Cidade do México, com 596 queixas em 2018.
Na sua conta de Twitter, o metro da Cidade do México assinalou que “em nenhuma das 195 estações de metro há registos de denúncias associadas a tentativas de sequestro” – algo confirmado por Claudia Sheinbaum, presidente da câmara da cidade, que afirma que em inícios de fevereiro não havia denúncias a serem processadas pelo Ministério Público. No entanto, a autarca garante ter dado instruções às autoridades para contactar as mulheres que expuseram os crimes nas redes sociais.
Dado o alto nível de impunidade de que gozam os criminosos, não é de espantar que haja receio de apresentar queixa. Graciela, vítima de uma tentativa de sequestro, quando questionada pelo “El País” sobre o assunto, respondeu: “Tive uma má experiência com isso há uns anos.” Após denunciar um roubo, a família do assaltante conseguiu os seus dados e foi a sua casa exigir que retirasse a queixa.
Para incentivar as mulheres a denunciar os ataques de que são alvo nos transportes públicos, a procuradoria-geral da Cidade do México instalou, a 1 de fevereiro, módulos de denúncia e atenção especializada a mulheres à porta de cinco estações de metro da capital. Dez dias depois, já se tinham registado 36 denúncias por assédio sexual no metro e nas suas imediações, o que levou as autoridades a instalar mais dois módulos noutras duas estações de metro. Foi anunciado também o reforço da segurança dentro e fora do metropolitano e a reabertura de várias investigações a desaparecimentos.
A diretora da Secretaria de Mulheres da Cidade do México, Gabriela Rodríguez Ramírez, diz que a situação é de “emergência”. Garante que “o machismo está em toda a parte” e que este “é um assunto das mulheres e dos homens”. Ramírez diz que o tema é “delicado” e pede “investigações sérias” em que não haja “presumíveis culpados”.
Grupos de defesa dos direitos das mulheres procuram consciencializar de que algo se passa no metro da Cidade do México, assim como na sociedade mexicana em geral. “O nível de violência alarma-me muito. Oiço as minhas alunas no final das aulas organizarem-se para irem para os transportes juntas, e como se acompanham umas às outras até para ir à casa de banho à noite, na faculdade, porque não é seguro” contou ao “El País” Anel Pérez, professora na UNAM, a maior universidade pública do México.
Anel esteve entre os milhares de pessoas que estiveram na manifestação convocada por vários grupos feministas logo após as denúncias de sequestros no metro. A convocatória considera que “as medidas anunciadas pelo governo da cidade não são suficientes nem eficazes para combater o problema”.