A história marcou a semana. Na terça-feira, Carlos Aguiar, professor da Escola Superior Agrária de Bragança, publicou uma fotografia de pegadas no Facebook acompanhada pela descrição «confirmada a presença de ursos (Ursus arctos) divagantes no Barroso (norte de Portugal). Fotografia de pegadas (identificação confirmada por especialistas) da autoria do meu primo Joaquim Moutinho da Silva».
A publicação gerou inúmeras reações, mas a maioria das pessoas desvalorizaram a publicação, recusando a atribuição da pegada em questão a um urso. Mas o coautor do livro Urso Pardo em Portugal – Crónica de uma extinção (ed. Bizâncio), Paulo Caetano, tem um discurso diferente. «A pessoa que fotografou as pegadas, como é dito na publicação, é um primo do professor Carlos Aguiar. Tenho informação de que não só as fotografou como também avistou o urso, segundo o que me disseram duas pessoas que conheço de Montalegre (vila na Serra do Barroso). Uma delas, é mesmo amiga de Joaquim Moutinho da Silva, o autor da fotografia», conta ao SOL Paulo Caetano.
De acordo com o naturalista e antigo jornalista de ambiente, que escreveu o livro juntamente com Miguel Brandão Pimenta, o autor da fotografia esteve emigrado nos Estados Unidos da América (EUA) durante muitos anos, tendo regressado a Montalegre. É, garante, uma pessoa que conhece o campo e que «anda sempre no monte».«O que a pessoa conta é que quando andava no monte viu um animal de quatro patas, de grande porte, viu-o ao longe, e depois desapareceu numa baixada, deve ter descido para o vale. Isto aconteceu no Larouco, na Serra do Barroso, e ele depois de ter perdido o animal de vista foi fazer o caminho até onde tinha visto o bicho e encontrou estas pegadas, fotografando-as com o telemóvel. Não voltou a ver o animal», revela ao SOL. «Questionei mesmo o meu amigo quanto à possibilidade de o fotógrafo ter confundido o animal com um texugo, porque as pegadas de texugo são muito idênticas às de um urso, e ele disse que é muito frequente ver texugos no monte. É uma pessoa muito habituada ao monte, portanto se visse um texugo perceberia», continua o especialista. Paulo Caetano perguntou ainda ao amigo em que estado está a serra, que lhe explicou que «ardeu toda», o que leva o autor a achar a passagem do urso «estranha» devido à dificuldade de encontrar alimento.
Paulo Caetano considera que o avistamento dá mais credibilidade à publicação, que na sua perspetiva peca por dois fatores. «Em primeiro lugar, a fotografia não tem elemento de escala. Normalmente este tipo de fotografias, para terem credibilidade, têm de ter uma escala, colocando-se para tal algo junto à pegada para perceber o tamanho», começa por explicar. «Em segundo lugar, o facto de o professor Carlos Aguiar escrever que a fotografia das pegadas foi confirmada por especialistas, sem os identificar e sem ninguém saber quem são, não tem valor», conclui, contrapondo que «outra coisa é a fotografia surgir associada a um depoimento de avistamento de uma pessoa que é tida como credível».
Ainda assim, há outra questão a ter em conta: o último urso pardo avistado em Portugal foi em 1843, no Gerês e «desde aí não há mais nenhum registo de ursos em Portugal, apesar de ter havido registos na Galiza, relativamente próximos da fronteira portuguesa, nos anos 20 e 30. Mas também é preciso termos em atenção que os ursos eram muito mais comuns na época, inclusive havia populações reprodutoras no sul da Galiza, que existiram até aos anos 20 e 30. Ou seja, nessa altura, havia mais probabilidades de poderem entrar animais dispersantes no nosso território e ainda assim não há registos posteriores a 1843», assinala Paulo Caetano. E hoje em dia? «Hoje em dia a situação é mais delicada. O urso vive um momento de expansão em pequena e lenta nas Astúrias, estando as populações reprodutoras muito a norte. Também é verdade que os animais por vezes vêm para Sul, muito raramente», esclarece o autor. Paulo Caetano estranha ainda uma outra situação: é que, quando isso acontece, «a comunicação social galega dá notícia disso, e neste caso não houve qualquer notícia, o que não deixa de ser estranho, porque significa que o animal atravessou toda a Galiza de Norte a Sul e passou despercebido completamente». Isso, garante Paulo Caetano, não é comum: «Estes animais são muito seguidos pelas autoridades de conservação espanholas e, além disso, há muita gente no campo hoje em dia, há muitos biólogos e situação no campo, e portanto o mais certo é o animal cruzar-se com alguém, até porque o urso procura alimento, procura mel, árvores de fruto», acredita. Ainda assim, remata: «Apesar de ser improvável o urso ter passado por aqui, não é impossível».
O SOL tentou chegar à fala com o professor Carlos Aguiar, autor da publicação, mas tal não foi possível até ao fecho desta edição.