Não faço ideia se era servido chá, café ou laranjada. Certo é que, nos dez anos em que liderou o Banco de Portugal, Vítor Constâncio ganhou o hábito de convidar jornalistas seniores para conversas em que partilhava a sua visão sobre os males do mundo. Eram ‘pérolas’ oferecidas aos escolhidos, que pagavam a distinção com cumplicidade mercenária.
Os eleitos bebiam as palavras do senhor governador e, de bom grado, faziam de caixas de ressonância dos segredos servidos com o chá. Era um win-win game: ganhava em promoção o ‘mágico das estatísticas’, ganhavam os empenhados propagandistas, que tinham no bolso as sábias soluções… passa salvar a Pátria e arredores. E todos viveram felizes. Não para sempre, mas até 2010.
Vindo do BEI, Carlos Costa foi entronizado e tratou de aplicar as receitas que tinham mantido o antecessor em suave descanso. Entre elas, o ritual do chazinho. Só precisou de ajustar a lista: incluir dois ou três fiéis dos tempos de Bruxelas e do Luxemburgo, correr com os irreverentes, e acolher os recém-promovidos nas redações. Os escolhidos explodiram de contentamento. Chegara a sua hora, finalmente bebiam do fino.
Foi breve o doce enlevo. Em 2012, a administração do Banif foi afastada e abriu-se o armário que guardava novidades para as quais o saber do governador era curto. E assim, o ‘banco do comendador’ andou em Atos de Pilatos, até descer aos infernos e ser engolido pelo Santander, que sabia bem como ‘descascar o abacaxi’, comprado a preço de saldo. Contava com o suporte do Banco de Espanha… que não tem por costume abandonar os seus.
Ainda a poeira não tinha assentado, eis que se começava a falar do BES. Atrevimentos de gente maldosa que não ia aos chás… Com o chão a fugir-lhe debaixo dos pés, o governador enredou-se em contradições que o empurraram para o novelo da resolução. Nascia o Novo Banco.
Observadores qualificados levantaram dúvidas sobre o acerto da opção. Só o valor da marca BES, deitada pela borda fora, superava os 500 milhões de euros. Nos meses seguintes, tudo se complicou: flop da nomeação de Vítor Bento, escolha de outro presidente que bateu asas na primeira curva, e precipitação no anúncio da venda, que iria andar aos tropeções durante dois longos anos, com a opacidade das negociações a ser fonte de todas as suspeitas. Tudo a deixar a nu a vocação do regulador para desvalorizar e destruir os bancos nacionais. Passos Coelho fez mal em não querer envolver-se, não ajudou a clarificar e abriu o flanco a ataques legítimos.
Finalmente, em 2017, o Banco de Portugal vendeu (mal) o Novo Banco, fez o funeral do BES e livrou-se do problema que criara com o desvario da resolução. O país ficou mais pobre e a culpa morreu solteira: faltou o escrutínio da venda e das responsabilidades do governador.
Por essa altura, o ring fence erguido pelos amigos dos chazinhos ainda resistia. E só cedeu quando, finalmente, rebentaram as comportas que seguravam os escândalos da Caixa.