Por detrás da máscara

Entrar na sala do pré-escolar no dia de Carnaval deixa-me sempre emocionada. Uma festa de cores dança pelo ar, o chão cheio de serpentinas e confetis, o som de alegria das crianças, a curiosidade de descobrir a máscara do amigo que entra, a música, a cumplicidade das educadoras também mascaradas. Todos brincam assumindo o novo…

Na sala dos mais pequeninos a fotografia é a mesma mas a realidade é um pouco diferente. Há muitos meninos que não gostam de se mascarar. Não gostam de vestir outra pele, sentem-se mais seguros e confortáveis na sua e agradecem que quem os receber também não seja alguém que nunca tinham visto. Quem trabalha na escola acha que os mais pequenos vão achar piada a encontrarem a educadora de peruca ou óculos escuros mas a maioria das crianças ficam assustadas por encontrarem pessoas estranhas a receberem-nas. Preferem as que estavam lá no dia anterior e no outro e no outro. Aquelas que já conhecem, que lhes são familiares. A chegada à escola passa a ser aterradora em vez de agradável. Hoje vi várias crianças contentes, mas também uma série delas aterrorizadas. Os pais que iam chegando diziam todos o mesmo: ‘Não tem o fato completo mas já foi uma conquista estar meio mascarado. Já tirou a cauda o chapéu, o véu, o que fosse’. Outros menos persuasivos ou com menos tempos levavam a máscara no saco: ‘Está aqui a máscara. Não consegui vestir-lhe’. Como se houvesse uma obrigação de mascararem os filhos ainda que contra a sua vontade.

Muitas vezes a máscara escolhida nem sequer faz qualquer sentido para a criança. É aquela de que os pais mais gostaram ou a que estava mais barata na loja. Poucas crianças de dois anos sabem o que são sevilhanas, Cleópatras, saloias ou índios. A intenção dos pais é a melhor, mas do outro lado da máscara muitas vezes a criança sente-se estranha e desconfortável. Lembro-me das roupas frias, das peças que caíam para a cara, do ‘não te mexas para não sair do sítio’ e acima de tudo ‘não toques na cara mesmo que pareça que estás a ser devorada por formigas ou transformas-te numa pintura abstrata’.

Atenção que eu gosto muito do Carnaval. Gosto que se dê oportunidade às crianças para serem alguém diferente naquele dia, da descontração e empenho dos adultos, da brincadeira livre. Mas gosto do Carnaval para quem se diverte com ele e não para quem fica atormentado com a máscara e se sente inseguro e com medo quando é largado num sitio cheio de gente estranha. Tanto os adultos como as crianças.

Há tempo para tudo na vida e há de chegar a idade em que se gosta de brincar ao Carnaval. Ou não. A questão é que não são as crianças que são esquisitas porque não vestem os fatos, são os adultos que não percebem que para eles não é divertido.

Mal comparado, faz-me lembrar um hamster com o qual eu ficava furiosa por não me deixar vestir-lhe as roupas das barriguitas. O meu esforço era proporcional à vontade dele de se raspar dali para fora. Para mim fazia todo o sentido ele estar vestido e ter roupas bonitas, mas para ele não. Vá-se lá saber porquê.