Estamos na ‘década zero’. A década que em que se vai decidir – vamos! – o futuro do planeta. A década em que ou fazemos uma tábua rásua e mudamos padrões de consumo e, como consequência direta, os seus efeitos na terra ou, pelo contrário, a década em que continuamos a acelerar com pé a fundo contra a parede. A ponta do icebergue deste resultado, se optarmos por esta última opção, começa a estar já à vista de todos: as ilhas de plástico e as alterações climáticas profundas são apenas dois exemplos imediatos e flagrantes.
Mais ou menos atentos, mais ou menos preocupados, esta é a uma realidade que já não será estranha à grande maioria de nós. E se estamos perante uma catástrofe eminente é mais do que normal que nos perguntemos o que podemos, afinal, fazer.
Focados mais na solução do que no problema, seis jovens resolveram meter mãos à obra para mostrar que as opções à nossa volta começam a marcar cada vez mais pontinhos no mapa. Opções para reduzirmos a pegada, opções para usar o mar como aliado, opções ligadas à floresta, à moda…
A lista prossegue.
São estes projetos o sumo do documentário É P’ra Amanhã que se inspirou no seu congénere francês Demain, explica Luís Costa, consultor de impacto social e um dos mentores do projeto. «Quando o Demain saiu eu estava a viver em França, no final de 2015. Lembro-me de sair do cinema com uma sensação muito boa e pensar: era mesmo bom fazermos isto em Portugal». Voltou ao país dois anos mais tarde sem se esquecer da convicção e com vontade de replicar o modelo. «Queria mostrar o que já existia, quais as soluções que já estão a ser feitas no nosso ecossistema e mostrar que em Portugal também há muitos exemplos de pessoas que já estão a fazer muita coisa».
Como não percebia nada de cinema – é licenciado em Engenharia Biomédica – começou à procura de parceiros até chegar a Pedro Serra, realizador, que conheceu na ante-estreia de um documentário que este tinha acabado de fazer ligado ao desperdício alimentar. «Contei-lhe a minha ideia, na verdade sem grande esperança de que ele fosse aceitar, e ele disse logo que sim», conta.
Estávamos no final de 2017, o momento que Luís considera ter sido o ponto de partida para esta viagem. A partir daí, tanto Luís como Pedro começaram a trazer para o projeto pessoas com as mais variadas formações que conheciam o documentário francês e que tinham interesse na área. A equipa montou-se rápido: a Luís e a Pedro juntaram-se Edgar Rodrigues, designer de comunicação, Francesco Rocca, que trabalha em investigação de produtos sustentáveis para países em desenvolvimento e Teresa Carvalheira, designer de moda e community manager no movimento internacional Fashion Revolution e Verónica Silva, produtora de conteúdos, a última a juntar-se à equipa. Em comum, vinham com o mesmo desejo: fazer parte de uma mudança positiva.
Grão a grão
No início, Luís nunca achou que conseguissem ser financiados para levar a cabo a ideia. «Fomos fazendo uma candidatura aqui e ali, até que fizemos uma para um programa da AMI que se chama No Planet B, que é um financiamento da União Europeia e do Instituto Camões, mas sempre sem grandes esperanças». Dia 1 de outubro do ano passado chegou a resposta que viria mudar o jogo. «Soubemos que íamos receber 50 mil euros».
«Acho que termos ganho acelerou muito o processo», diz Teresa, que tirou design de moda e trabalhou sempre em projetos ligados à sustentabilidade. «Até aí íamos fazendo as coisas mas mais devagar. Eu estava disposta a pôr dinheiro nisto, e de repente, há outra perspetiva».
Ainda assim, tiveram que recorrer a uma campanha de crowfunding, visto que uma das regras do financiamento da AMI é que os responsáveis pelos projetos precisavam de auto financiar 10% do orçamento total: faltavam-lhes seis mil euros. «Até estávamos com medo de pedir esse dinheiro, porque tu ou atinges o objetivo todo ou não recebes o dinheiro», explica Luís. « Por isso, criámos uma campanha para angariar 3.500 euros na PPL (a plataforma de crowdfunding). O restante dinheiro em falta seria conseguido através de outros meios, faríamos eventos, por exemplo», enuncia Luís. Não foi preciso. A campanha já terminou e o resultado plasma o interesse que o projeto tem despertado: conseguiram praticamente o dobro do dinheiro que tinham pedido e superaram os seis mil euros em falta. «Em 20 dias tínhamos os 3.500, sendo que a campanha durou mês e meio», conta Teresa.
O início das rodagens está agora marcado para abril, com o início das visitas aos pontos selecionados, e terminará por volta de julho. «Mas costumamos dizer que já iniciámos a viagem», continua. Porque, mesmo ainda sem terem pegado nas câmaras, já perceberam que este projeto dará frutos para lá do documentário em si. «Desde o início que as pessoas querem muito participar e, muito antes de nós pedirmos sugestões de projetos, já nos diziam para vermos isto ou aquilo. Os contactos vieram de todo o lado», diz Teresa.
Têm agora entre mãos uma base de dados de 800 iniciativas inspiradores e estão a trabalhá-la para perceber quais se tornarão em episódios.
«Estamos agora avaliar exaustivamente os projetos», diz Teresa, com ênfase no exaustivamente. «Por um lado, é bom sinal termos tantos», continua Luís. «Mesmo nós, que já estávamos bastante dentro do tema em Portugal, não achávamos que existiam tantos. E isso é excelente. Não vamos poder selecioná-los todos, como é óbvio, mas depois queremos de alguma forma disponibilizar esta informação, esta base de dados que estamos a criar. Não nos interessa guardar isto para nós, interessa que os projetos tenham visibilidade e que as pessoas os possam encontrar. Por isso queremos ser facilitadores desta partilha».
Da floresta à moda, da moda ao mar, do mar a…
Mas que projetos sustentáveis e sustentados há, afinal, por este país fora? Há uma área que se destaca um bocadinho mais do que as restantes: a alimentação. «Mas é muito transversal. A base de dados também é tão grande porque tem lá algumas pequenas iniciativas, ou simplesmente histórias. Coisas mais pequenas. Há sempre pessoas incríveis a fazer coisas incríveis, diariamente, e é também um pouco isso que queremos transportar para o documentário, ter vários mundos».
«No filme original eles tinham cinco áreas originais: alimentação, energia, economia, política e educação», atalha Luís. Entretanto, por cá, já juntaram pelo menos as categorias de moda e floresta. «Temos estado a juntar em função daquilo que nos chegou. Além de todos os que já falámos, o desperdício zero, também é um tema muito presente hoje em dia na nossa sociedade. Estamos a ver aquilo que surge, porque é normal que o contexto em Portugal seja diferente do Demain. Por exemplo, no caso da floresta se calhar é muito pertinente, neste momento, nós conseguirmos mostrar o que está a ser feito como alternativas que possam ser viáveis».
Mas há outra área no país que tem também muitos projetos a acontecer. «Temo-nos apercebido de que está a ser feita muita coisa ligada ao mar, uma coisa tão próxima mas que não tínhamos contabilizado ainda. Não sabemos se vai dar um episódio, mas há mesmo muitos projetos ligados à conservação ambiental, muitos ligados ao combate ao plástico, também».
Se neste momento a equipa do É P’ra Amanhã se encontra em fase de selecionar projetos, o objetivo pós documentário já está definido. «O nosso target é um público mais abrangente, um público ao qual esta mensagem ainda não chegou. Gostávamos muito de distribuir isto numa televisão, ou no pior dos cenários – e que ainda assim é um bom cenário – distribuir online, livremente. Mas não temos como intenção vender a série para termos retorno: o objetivo primordial é mesmo a distribuição e fazê-lo chegar ao máximo de pessoas que nunca tinham pensado nestas questões», sintetiza Teresa. «Queremos que as pessoas sintam um bocadinho aquilo que nós sentimos no Demain, que sintam a vontade, a motivação para contrariar a carga mais pesada dos documentários que são muito focados no problema. Queremos trazer a frescura de um olhar para as soluções aqui em Portugal. Acho que ainda vivemos muito com a ideia de que não se faz nada aqui, de olharmos lá para fora, e está na altura olharmos para dentro».
E o ‘para dentro de Teresa’ vem com um duplo significado. «Para dentro, para o país, e para dentro de nós próprios, para uma inspiração como indivíduo e depois como coletivo».
Já Luís destaca duas facetas «muito grandes» dentro do mesmo objetivo. «Se por um lado querem informar para o problema de alterações climáticas e ameaça à biodiversidade, por outro associá-lo a uma atitude mais participativa das pessoas. Inspirá-las a agirem e combaterem um problema que vamos todos, de alguma maneira, sofrer com ele, ou pelo menos os nossos filhos e nossos netos. Queremos que as pessoas percebam que podem ter algo a dizer e fazer, que podem agira na sua área e com as pessoas à sua volta, que têm um papel».
O papel deles – e de muitos – já começou hoje. Os que ainda estão a debater-se com a dúvida da veracidade acerca das alterações climáticas ou a refugiar-se na inércia ainda estão a tempo de participar na mudança – mas atenção que o tempo foge.