Após quatro anos de instabilidade e impasse “em que as instituições do Estado praticamente não puderam funcionar na sua normalidade”, as eleições deste domingo dão à Guiné-Bissau a oportunidade de virar a página. A garantia é dada ao i por Gabriel Dava, representante no país do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Os resultados provisórios só serão conhecidos na terça-feira.
A disputa institucional já vem de agosto de 2015, quando o presidente José Mário Vaz, eleito no ano interior, demitiu o primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau (PAIGC). O presidente tentou nomear uma série de primeiros-ministros, sem que nenhum conseguisse o apoio de uma maioria parlamentar. Só em abril de 2018 foi alcançado um acordo, mediado pela comunidade internacional, que permitiu a nomeação de Aristides Gomes como “primeiro-ministro de consenso”.
A instabilidade institucional na Guiné-Bissau foi alimentada por conflitos internos no PAIGC, que governou o país durante a maior parte dos últimos 46 anos, gozando da aura de vitória dos guerrilheiros que conquistaram a independência da antiga colónia portuguesa.
As disputas entre as lideranças do PAIGC causaram a expulsão de 15 deputados em 2018, levando à saída de milhares de militantes e à formação do Movimento de Alternância Democrática (Madem). O partido, liderado por Braima Camará, é agora um dos dois maiores partidos da oposição, juntamente com o Partido da Renovação Social (PRS), de Kumba Ialá, líder dos balantas, uma das maiores etnias do país, frequentemente associada com as forças armadas.
Agora, os rivais enfrentam-se nas urnas perante o escrutínio dos 761 mil eleitores guineenses, com a maioria dos observadores internacionais a apontarem para uma vitória certa do PAIGC. No entanto, há dúvidas de que o partido consiga uma maioria absoluta, podendo ter de governar com os seus adversários, o que levanta receios de um regresso aos conflitos entre fações que paralisaram a governação.
Apesar da volatilidade do país, o processo eleitoral está a decorrer “com tranquilidade”, sem ter sido reportado “nenhum incidente”, garantiu Gabriel Dava. O representante da agência para o desenvolvimento da ONU saudou estas eleições, marcadas para novembro de 2018 e adiadas, como “um marco para uma nova era na Guiné-Bissau”, apesar de alertar que “as eleições não são um fim em si mesmas”, garantindo que “ainda há muito trabalho a ser feito”, não só mas “também por parte da comunidade internacional”.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento tem trabalhado no apoio à justiça e administração pública na Guiné-Bissau, um país que “precisa de reformas profundas” na administração e onde “o acesso à justiça ainda é bastante deficiente”, considera Gabriel Dava. O representante da PNUD diz que o problema se agravou nos últimos anos e que, devido à instabilidade governamental, “muitos cidadãos guineenses não têm tido acesso à justiça”.
O diplomata acrescenta que “onde não há sistema de justiça funcional, naturalmente vai haver impunidade”, o que não dá “confiança aos cidadãos, sendo este “um dos fatores de instabilidade” que permitem o aumento do narcotráfico, que “continua a ser uma preocupação”.
A Guiné-Bissau fez manchetes internacionais nos últimos anos, sendo referida como o primeiro narco-Estado africano. O país tornou-se uma das principais plataformas de entrada de cocaína na África ocidental e na Europa, vinda da América do Sul. A pobreza extrema, os elevados níveis de corrupção e a relativa proximidade do continente americano – apenas a cinco dias de barco – tornam o país extremamente vulnerável ao controlo por parte de narcotraficantes e grupos terroristas, financiados pelo negócio da droga.
Ainda este sábado, na véspera das eleições, foi feita a maior apreensão de droga da história da Guiné-Bissau – cerca de 800 quilos de cocaína. Os estupefacientes terão chegado ao país por via marítima, sendo apreendidos pela Polícia Judiciária guineense perto da capital, Bissau, num camião carregado de peixe, propriedade de um homem suspeito de ligação à Al-Qaeda do Magrebe Islâmico, um grupo salafista sediado na Argélia.
O candidato do PAIGC, o antigo primeiro-ministro Simões Pereira, logo após votar, saudou a apreensão de droga por parte da polícia, afirmando a necessidade de “resgatar o país” do tráfico e referindo-se a estas eleições como “um momento de viragem”. O seu otimismo obteve eco nos restantes partidos guineenses, tendo o candidato do PRS, Alberto Nambeia, descrito o processo como um “balão de oxigénio” para o país, enquanto o líder do Madem garantiu que é “hora da mudança”.